Não é mera coincidência: no mesmo dia em que se noticia a invasão do território Wajãpi por homens armados ligados ao garimpo e à mineração, o presidente brasileiro diz querer seu filho na embaixada nos EUA para conseguir parcerias e explorar minerais em terras indígenas.
As falas em Brasília têm se transformado em violência contra os povos indígenas no interior do país. O líder comunitário Jawaruwa Wajãpi mostra a situação de risco de sua comunidade: “Pedimos apoio do exército urgentemente, antes que seja tarde demais. Eles estão armados de metralhadoras além de outras armas. A gente está em perigo.” Só nos dois primeiros meses deste ano, quatorze TIs foram invadidas por garimpeiros.
Segundo o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), na sexta-feira, dia 26, quatro dias após a morte do chefe Emyra Wajãpi, foi encontrado um grupo de não-índios armados na região de sua aldeia (Waseity), no Amapá. Na noite de sexta-feira, os invasores entraram na aldeia Yvytotõ e se instalaram em uma das casas, ameaçando os moradores. No dia seguinte, os moradores fugiram para outra aldeia, com medo. Na mesma noite, moradores da aldeia Karapijuty também avistaram um invasor. Na noite seguinte, tiros foram ouvidos nas proximidades da aldeia Jakare.
Kleber Karipuna, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), explica o que este ataque tem a ver com a notícia sobre o presidente: “Os conflitos que estamos vivendo estão relacionados a tudo que esse governo vem fazendo, tanto em ordem de discurso quanto de ordem prática, sobre direitos indígenas”. Ele cita atos e falas recentes do presidente que, sob seu ponto de vista, mostram a verdadeira intenção do governo para a Amazônia: “O incentivo ao armamento da população, por exemplo: principalmente no campo, esse discurso sustenta o armamento de proprietários rurais e suas ditas posses, leva ao enfrentamento e à morte da população indígena. Já nomeação do filho dele pra embaixada dos EUA mostra qual o país ele quer como aliado para a exploração da Amazônia, principalmente pela mineração. Na verdade, ele tem um discurso de ataque a qualquer um que defenda a Amazônia e os povos indígenas e, para os países e empresas que querem explorar a Amazônia, o discurso é de desenvolvimento. É distorcido.”
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já pediu ao governo brasileiro para se posicionar. A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas pediu ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal para tomar providências. A deputada federal Joenia Wapichana foi responsável pelo pedido na Câmara.
Sobre o interesse econômico pelo uso das terras, ela vai direto ao ponto: “Mineração em terras indígenas é ilegal, é inconstitucional. Não existe nenhuma lei no Brasil que permite hoje a exploração dos recursos naturais. Invasão de terras indígenas é um crime”.
A Funai, a Polícia Federal e o Batalhão de Operações Especiais (Bope) foram ao local para garantir a integridade dos indígenas e apuração dos fatos.
Essa é a primeira vez que se tem registro de invasões nas terras Wajãpi, e uma liderança foi inclusive assassinada. Identificada no final dos anos 70, a TI Wajãpi teve seus limites identificados no final dos anos 70, entre os municípios de Almerim, Mazagão e Macapá, no Amapá. Nos anos 80 a TI foi delimitada formalmente, após várias tentativas de redução. Seus atuais limites foram demarcados e homologados apenas em 1996. Os cerca de 1300 Wajãpi vivem da agricultura, da caça, da pesca e da coleta, mudando periodicamente a localização de suas aldeias para permitir a recuperação ambiental das áreas ocupadas.
Metade do seu território está dentro da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que o Governo Michel Temer tentou extinguir em setembro de 2017 via decreto presidencial. A Renca cobre 4,6 milhões de hectares de floresta amazônica entre os Estados do Pará e Amapá e é uma pedra no sapato de empresas mineradoras.
Em nome de que atacar aqueles que, há mais de 500 anos, cuidam do planeta e que desde antes mesmo disso já cuidavam das terras brasileiras e de suas riquezas naturais?