“Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva”, diz o replicante Roy Batty (Rutger Hauer) antes de cerrar os olhos pela última vez em “Blade Runner” (1982). Chovia sem parar na Los Angeles de novembro de 2019 imaginada no roteiro, ao contrário do que vem acontecendo na realidade: incêndios varrem o estado americano da Califórnia desde outubro. O fogo é causado, justamente, pelo clima seco. Muito se vem falando deste filme ultimamente por causa desse encontro do tempo ficcional com o tempo real; mas, geralmente, as pessoas se lembram das previsões que ainda não se concretizaram (seres humanos artificiais, carros voadores, viagens espaciais) e se esquecem desse tipo de detalhe.
Acreditem: o novembro de 2019 real poderia ser ainda mais sombrio. A Ciência e as leis ambientais adotadas a partir dos anos 1980/90 nos tiraram da rota do futuro preconizado pelo clássico dirigido por Ridley Scott e estrelado por Harrison Ford – e pela ficção científica da época em geral. É uma lição a se levar em consideração na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima de 2019 (COP-25), que ora se realiza em Madri, na Espanha. Ainda há tempo de evitar o pior.
Há 30 anos já se falava em mudanças climáticas, mas as preocupações mais urgentes eram outras. A garoa intermitente que caía sobre a Los Angeles de “Blade Runner” era chuva ácida, ou “chuva negra” – termo tão em voga na época que batizou outro filme de Scott, em 1989 – água que cai do céu contaminada por poluentes.
No Brasil houve um caso famoso, Cubatão, que ficou conhecida na época como Vale da Morte – a cidade paulista chegou a ganhar da ONU o infame título de a mais poluída do mundo. A fumaça que saía sem parar das chaminés de 24 empresas do seu polo petroquímico e siderúrgico levou doenças à população e chegou a causar o nascimento de bebês com malformação cerebral. Pássaros e peixes também sumiram da região e a chuva ácida matou a vegetação de Mata Atlântica da Serra do Mar. Porém, as leis ambientais mais rígidas adotadas a partir da Constituição de 1988 e as discussões inciadas na Rio-92 estão ajudando a cidade a reviver.
Pouco se fala hoje em “chuva negra”, embora os paulistanos tenham experimentado brevemente seus efeitos em agosto, quando a fumaça das queimadas da Amazônia chegou a São Paulo. Mas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a poluição do ar ainda mata cerca de sete milhões de pessoas por ano e 2018 bateu todos os recordes de concentração de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. Então, resolveu-se parte do problema, mas ainda há muito a ser feito. Por outro lado, quem poderia pensar que Pequim sairia da lista das 200 cidades mais poluídas do mundo em setembro? Foi ainda nesta década que a China começou a guiar sua economia para uma direção mais responsável com o meio ambiente e os primeiros resultados já começam a ser sentidos.
O Rinoceronte da Sumatra acaba de ser declarado extinto na Malásia. E pouco se falou também que em “Blade Runner” boa parte das espécies de animais havia desaparecido – bichos de estimação artificiais eram vendidos nos camelôs. E este é o ponto de partida de outro filme da época, “Jornada nas Estrelas IV – A volta para a Terra” (1986), estrelado e dirigido por Leonard Nimoy, o Senhor Spock.
As aventuras da nave espacial USS Enterprise se passam no século XXIII, quando as baleias já haviam sido extintas. A caça comercial da espécie havia sido proibida em 1985, mas quem poderia acreditar que daria certo? Só que o recém-divulgado censo do Programa Baleia Jubarte apontou que a população da espécie no Brasil pulou de 400 para 17 mil em 60 anos. Hoje, há cerca de 1,3 milhão de baleias no planeta. É possível salvá-las.
Mas o que o cetáceo tem a ver com o clima? Em “Jornada nas Estrelas IV” elas salvam a Humanidade e podem ajudar a fazer isso no mundo real também. Parece ficção científica, mas segundo o insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI) é preciso investir tanto na preservação das baleias quanto das florestas para barrar as mudanças climáticas. Baleias absorvem em média de 33 toneladas de CO₂ por toda a vida. Além disso, os cetáceos também ajudam a produzir fitoplâncton, que contribui com pelo menos 50% de todo o oxigênio da atmosfera da Terra e captura tanto carbono quanto 1,7 trilhão de árvores – ou quatro Amazônias. O aumento de 1% do fitoplâncton equivale a dois bilhões novas árvores.
O mais vitorioso acordo mundial para o ambiente foi assinado em 16 de setembro de 1987. Mas “Highlander II – A ressurreição” (1991), de Russell Mulcahy, também não levou muita fé no Protocolo de Montreal, que baniu gases usados em equipamentos de refrigeração que estavam corroendo a camada de ozônio da Terra. No filme, inventa-se uma engenhoca que cria uma barreira sobre o planeta que resolve o problema, mas o condena à noite eterna. Nas mesas de negociação, bastou convencer governos e empresas da necessidade de se trocar os gases usados nos aparelhos. Graças ao acordo o buraco sobre a Antártida deixou de crescer e a previsão é que vamos conseguir tapá-lo até 2065.
E o Protocolo de Montreal foi tão bem-sucedido – diferentemente do filme, diga-se – que também acabou virando Plano B contra as mudanças climáticas. Há três anos o tratado ganhou um adendo, a Emenda de Kigali, cujo objetivo agora é banir o uso de hidrofluorcarbonos (HFCs) em aparelhos de ar condicionado. O gás é classificado como superpoluente e contribui vigorosamente com o efeito estufa. A vantagem é que se dissipa mais rapidamente que o CO₂; assim o efeito seria mais imediato.
Os cientistas calculam que a eliminação dos HFCs possa significar 0,5° C a menos no aumento da temperatura média global até 2100. Mas, para isso, ele precisa entrar em vigor. O Brasil é um dos países signatários, mas ainda não o ratificou. Para vencermos o desafio do desequilíbrio climático não devemos buscar exemplos na ficção científica, mas no passado, quando nos unimos para acabar com a chuva negra, e salvar a camada de ozônio e as baleias. Esses momentos não podem se perder no tempo.
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