Não é história pra boi dormir: nos cafundós da China, um incauto pangolim – uma espécie de tamanduá ou tatu com escamas – pisou nas fezes de um morcego e, ao cair numa armadilha e entrar em contato involuntariamente com o ser humano, deu início à pandemia que vem deixando o mundo em polvorosa. Assim como o ebola, a aids e a sars, a covid-19, causada por uma nova espécie de coronavírus (o Sars-Cov-2), tem origem animal; mas o principal culpado por sua disseminação é o próprio bicho-homem. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), por trás do aparecimento dessas doenças está a deterioração do meio ambiente causada pela atividade humana.
A degradação ambiental e as mudanças climáticas também fizeram chegar aos grandes centros urbanos do Brasil moléstias antes restritas a áreas de florestas, como a dengue, a zika e a chikungunya, transmitidas pelo famigerado mosquito Aedes aegypti. O inseto totalflex também trouxe de volta a febre amarela, doença erradicada das cidades brasileiras no início do século passado. Hoje, na surdina, o país passa pelo maior surto de dengue dos últimos anos: entre janeiro e 31 de dezembro de 2019 foram notificados 1.544.987 casos prováveis da doença. O número é 488% maior do que o anotado em 2018. O Brasil anda tão adoentado que essa informação já não causa a comoção de outrora.
Mas voltando à covid-19: apesar dos muitos pesares, a enfermidade acabou provocando um efeito colateral inesperado, porém benéfico: tanto China como Itália, os dois países mais atingidos até agora, reduziram substancialmente suas emissões de CO₂ desde que o novo coronavírus deu o ar da graça. Isso aconteceu devido à retração forçada de suas economias. Foi uma queda tão abrupta que os cientistas veem aí a confirmação de que seria possível conter rapidamente o avanço das mudanças climáticas com uma desaceleração radical na atividade industrial. E é preciso correr, antes que a caixa de pandora chamada permafrost seja aberta.
A covid-19 fez até agora cerca de 7 mil mortos em todo o planeta, enquanto a poluição mata cerca de 4,5 milhões de pessoas por ano – isso sem considerar os impactos climáticos. O permafrost é o solo permanentemente congelado que cobre 25% da superfície terrestre de todo o Hemisfério Norte – sobretudo na Rússia, Canadá e Alasca. Sob esta camada de gelo, que pode chegar a centenas de metros, hibernam microrganismos letais que podem despertar com o degelo, que vem acontecendo cada vez mais rápido.
Em 2016, um menino morreu na Sibéria depois de contrair antraz, doença causada pela bactéria Bacillus anthracis, erradicada há 75 anos na região. Também foram descobertos recentemente dois tipos de vírus gigantes, um de 30 mil anos de idade, conservados no permafrost. Nosso organismo não tem defesa contra esses germes pré-históricos.
O pior é que o permafrost mantém aprisionada quase 1,7 trilhão de toneladas de CO₂, quase o dobro do presente na atmosfera hoje. Segundo a projeção menos catastrófica, ele poderia perder 30% de sua área e liberar até 160 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa (GEE) até 2100. É um círculo vicioso: quanto mais GEE liberar, mais o planeta esquenta e mais o permafrost descongela, nos deixando à mercê de micróbios desconhecidos. É bom fazer logo alguma coisa, ou a vaca vai pro brejo.
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