Piloto automático

setembro 2020

Ninguém mais anda com as próprias pernas nos caminhos da Internet. É como se você acionasse o piloto automático do avião e o instrumento decidisse fazer escalas não previstas ou o levasse ao destino que ele escolheu, não ao que você havia determinado. Parece enredo de ficção científica, mas quem diz isso são pessoas que ajudaram a criar os mecanismos – estratégias, algoritmos, inteligência artificial – da chamada “tecnologia persuasiva” que move as redes sociais. Esta máquina pode não ter sido criada com esse propósito, mas hoje está programada somente para gerar lucro, não o bem comum. Ela não tem consciência, sentimentos, ideologia ou moral e se tornou, em tempo recorde, o negócio mais lucrativo de todos os tempos. O produto que esse mecanismo vende é você. “Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”, disse o professor emérito de estatística, design gráfico e economia política da Universidade de Yale Edward Tufte. Ela proporciona prazer e manipula opiniões para fazer dinheiro.

Assim como a indústria tabagista, que acrescentou substâncias ao cigarro para viciar fumantes, as redes sociais têm seus métodos para criar dependência. Esses expedientes são baseados em nossos desejos e sentimentos, traduzidos de nossos cliques. E não falta quem se aproveite disso para influenciar corações e mentes. O caso mais famoso é a da Cambridge Analytica, escritório do crime banido do Facebook por violar informações de 50 milhões de usuários da rede nos EUA, com a intenção de influenciar eleições mundo afora.

Recentemente, outro nome envolvido em escândalos de disseminação de fake news, o estrategista político Steve Bannon, foi preso sob acusação de fraude. Se o ministro do Meio Ambiente do Brasil acreditou que o mico-leão-dourado vive na Amazônia, por que um leigo não pensaria que as mudanças climáticas ou a Covid-19 não existem? Quando se discute em pelo século XXI o formato da Terra é porque a própria noção de verdade está em risco. No caso da pandemia, espalhar fake news tem provocado mortes. Há quem acredite que a atmosfera de polarização nas redes possa causar guerras civis, como o ex-presidente do Pinterest e ex-diretor de monetização do Facebook, Tim Kendall.

Mas a mentira tem pernas curtas e em mais de um sentido; além de lhe faltar fôlego – leia-se argumentos sólidos – o que convence o seu vizinho pode não enganar alguém que more num bairro mais afastado e tenha outro ponto de vista. Assim, pode até existir brasileiro que acredite que Pantanal e Amazônia não estejam em chamas e que há um agente da Hydra ou da Spectre infiltrado no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe); mas essa cascata não alcança o resto do mundo. “Enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimento não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, diz o trecho que uma carta recebida esta semana pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que também comanda o Conselho Nacional da Amazônia, dos embaixadores de Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido e Bélgica. O documento lembra ainda que no passado, o Brasil conseguiu expandir sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o desmatamento. Os dados que comprovam isso saíram do mesmo Inpe.

As redes sociais não são uma arma. Não servem apenas para assassinar reputações e ferir a realidade. Pelo contrário, o futuro preconizado por muitos dos envolvidos no desenvolvimento delas era de que o acesso à informação e à comunicação levaria à cooperação global. E, de fato, elas também vêm desempenhando um papel fundamental na luta contra o novo coronavírus. Antes de sua chegada, foi responsável por mobilizar jovens do mundo todo na luta contra o avanço das mudanças climáticas – em movimentos como o Fridays For Future, liderado pela ativista sueca Greta Thunberg – e, aqui no Brasil, país de dimensão continentais, têm papel fundamental na construção de estratégias conjuntas de luta de povos tradicionais e movimentos sociais. Uma Gota no Oceano nasceu com essa missão: prover informação consistente, independente e atraente à população, permitindo que ela tenha condições básicas para avaliação das decisões que definem nosso futuro. Informação de qualidade é a melhor estratégia, antídoto, enfim, reposta à tempestade de mentiras que nos atinge diariamente.

Portanto, não transfira sua vida para um celular, mas também não se sinta obrigado a abrir mão totalmente de uma ferramenta tão útil. Dormir longe do aparelho é uma dica simples para começar a se livrar do vício – nos links sugeridos abaixo há outras recomendações úteis. Contra as fake news, busque informações em fontes diferentes. Antes de compartilhar uma notícia, tenha certeza de que ela é verdadeira. A imprensa profissional não é infalível, mas tem uma reputação a zelar – os maiores jornais do Brasil são centenários – e CNPJ, ou seja, precisa seguir normas e responder à Justiça. Quem cria um blog ou perfil de rede social anônimo não tem responsabilidade com nada. Esse comportamento inconsequente gerou a necessidade de criação das agências de checagem de fatos. Essas empresas de comunicação têm como objetivo desmascarar boatos e se tornaram uma ferramenta fundamental nessa guerra contra a desinformação.

O mundo já passou por grandes revoluções na área de comunicação, da invenção da imprensa à massificação da televisão, e a mentira é uma invenção mais antiga do que a escrita; mas isso nunca de forma tão avassaladora, em tão pouco tempo. E esses meios logo ganharam regulamentação, enquanto a Internet é uma espécie de Velho Oeste, onde impera a lei do mais forte. Quem ajudou a criar as redes sociais alerta ela que pode se tornar incontrolável, pois a tecnologia que a criou avança em nível exponencial, numa velocidade nunca vista na História; e a responsabilidade de lhe impor marcos civilizatórios começa por quem hoje as comanda – até porque outro de seus efeitos colaterais foi o crescimento astronômico da concentração de renda global.

A filósofa e psicóloga Shoshana Zuboff, professora aposentada de administração da Harvard Business School, foi a introdutora do conceito de trabalho mediado por computador, em 1981. Ela compara o modelo de funcionamento e de negócios adotado por essas empresas ao comércio de órgãos e de seres humanos e defende medidas radicais, em depoimento ao documentário “O dilema das redes”, de Jeff Orlowski. Se hoje essas atividades odiosas deixaram de ser legais, é porque a sociedade exigiu.

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Agências de checagem:

Aos Fatos

Agência Pública

Agência Lupa

Fato ou Fake

E-Farsas

Aos Fatos Whatsapp

AFP em Português

Estadão Verifica

Projeto Comprova

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