“Em caso de emergência, quebre o vidro”; quando chega a esse ponto é porque a água está batendo no joelho ou a casa pegou fogo. A gente vivia há anos num inusitado estado de alerta apático, como se o amanhã pudesse ser adiado eternamente, até a Covid-19 nos dar um sacode. O novo coronavírus deu um estalo na Humanidade: estamos enfrentando diversas calamidades ao mesmo tempo porque tudo é causa e consequência. Não há como dissociar a pandemia, a crise econômica, a desigualdade social, o negacionismo e o desequilíbrio climático do modelo de desenvolvimento equivocado que abraçamos. Chegou a hora de tomar medidas drásticas, ou este será um abraço de afogados definitivo.
Melhor que curar uma doença é evitá-la. E não há vacina melhor contra novas catástrofes do que atacar sua origem. Mesmo que a economia global tenha tirado o pé do acelerador por causa da Covid-19, as concentrações de metano e dióxido de carbono na atmosfera aumentaram em 2020. Foi um aumento de 2,26 partes por milhão (ppm), o maior desde 2016. Os dados são da insuspeita Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). Por isso – e de olho no novo mercado que se descortina, evidentemente – tão logo trocaram o ocupante da Casa Branca, os americanos correram para tirar o atraso.
O presidente Joe Biden quer investir US$ 2,3 trilhões exclusivamente em infraestrutura e ao combate às mudanças climáticas, para que o país recupere o protagonismo mundial. Dessa montanha de dinheiro, US$ 174 bilhões serão investidos no setor de veículos elétricos; ou seja, os combustíveis fósseis começam a perder seu principal e mais renitente cliente. A China vinha investindo pesado em energias renováveis – e outras políticas de mitigação das mudanças climáticas – há anos. Todos podem sair ganhando nessa disputa das duas superpotências pelo pódio do desenvolvimento sustentável. Biden convocou uma Cúpula do Clima para os dias 22 e 23 próximos. Conversa séria, de gente grande.
Enquanto isso, o Brasil bate mais um recorde de desmatamento, o ministro do Meio Ambiente novamente falta com a seriedade publicamente, 58 milhões de pessoas passam fome, ainda temos um negacionista na Presidência e um a cada quatro mortos no mundo pela Covid-19 por dia é brasileiro. A boa notícia é que já tem gente quebrando o vidro de emergência; não fosse isso, já estaríamos irremediavelmente isolados ou vendidos. No último dia 13, por exemplo, seis jovens, dos movimentos Engajamundo e Fridays For Future, entraram na Justiça contra o governo, por “pedalada” ambiental.
Com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, eles querem que o compromisso climático brasileiro para o Acordo de Paris, apresentado em dezembro, seja anulado. O governo se fez de desentendido e apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais do que o previsto. Entretanto, essa boiada não passou despercebida. No mesmo dia 13, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) enviou uma carta ao governo pedindo metas ambientais mais ambiciosas. São 33 assinaturas, entre elas gigantes da indústria petrolífera como Shell, Ipiranga, Michelin e Braskem.
Além de atuar diretamente contra a pandemia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ganhou uma linha direta de comunicação com os Estados Unidos para temas relacionados à Amazônia. E a iniciativa de usar o martelo partiu do próprio Biden: foi o presidente americano quem solicitou a abertura deste canal. Governos vão e vem; então é melhor conversar logo com quem vem preservando a floresta há milênios, né? Como Gotas no Oceano, acreditamos que cada um pode fazer diferença se somado ao todo. Muitas vezes os movimentos sociais nascem de ações individuais – estão aí a Greta Thunberg e tantas outras para não nos deixar mentir. Quebre o vidro e encontre a sua capacidade para ajudar o mundo a sair dessa emergência.
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