Semeadura

dezembro 2021

“Keanu Reeves”, diria o saudoso Mussum sobre 2021. Traduzindo, que ano horrívis. Quem vai desdizer o Trapalhão? Só faltou o meteoro. A começar por um problemão que diz respeito a todos os seres vivos do planeta: segundo o último relatório do IPCC da ONU, as mudanças climáticas estão avançando implacavelmente e nada do que foi feito até agora surtiu efeito algum. Mas, como não adianta chorar sobre o CO₂ derramado na atmosfera, não vamos botar água no chope das festas de fim de ano de ninguém. Em 2022, a gente volta com nossa tradicional retrospectiva; por enquanto vamos nos concentrar no que podemos fazer para que os próximos 365 dias tragam mais esperança. É hora de semear.

Temos poucos, mas bons motivos para tanto; aos 45 do segundo tempo, este ano nos trouxe algumas boas novas. A mais importante foi um estudo da 2ndFOR, organização que reúne mais de cem cientistas de 18 países, publicado este mês na revista “Science”. Segundo ele, florestas tropicais se regeneram muito mais rápido do que se imaginava: bastam entre 10 e 20 anos para que recuperem 80% do carbono perdido, da fecundidade de seu solo e da diversidade vegetal. Uma piscada em se tratando da idade da Terra – a Amazônia, como conhecemos hoje, por exemplo, teria se formado há cerca de 2,5 milhões de anos – e um período razoável, levando-se em conta a nossa expectativa de vida.

Os pesquisadores compilaram dados de mais de 2 mil trechos de florestas em fase de regeneração em áreas tropicais da América e da África ocidental. E chegaram a conclusões tão animadoras quanto surpreendentes. Na verdade, pouco restou de mata realmente nativa nesse mundão de meu Deus: boa parte do que há de verde colorindo o planeta hoje existe graças a uma demão dada pela natureza, depois de ele ser arruinado pelo homem. Há florestas na Europa que se recuperaram durante os séculos XVIII e XIX. Por incrível que pareça, o nordeste dos Estados Unidos tem hoje uma cobertura florestal maior do que há um ou dois séculos. 

Nos trópicos há aproximadamente 8 milhões de km² em recuperação. Isso não quer dizer que devamos baixar a guarda; não tem essa de desmata que a natureza quebra teu galho: “É possível recuperar florestas tropicais por meio de processos naturais em tempo condizente com expectativas humanas. Porém, mesmo assim, é muito mais rápido destruir do que recuperar. Os resultados devem ser vistos com otimismo, mas também com responsabilidade”, alerta Pedro Brancalion, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), um dos autores do estudo. 

Nossa capacidade de destruição ainda é alta. Por isso, em junho, a ONU lançou a Década da Restauração dos Ecossistemas (2021-2030), para ver se governos, empresas, instituições e sociedade civil se coçam. Os povos da floresta já fazem isso há algum tempo. Para garantir a preservação de espécies vegetais e a recuperação de biomas, deixando-os mais próximos de suas características originais, tem mais de uma década que a Rede de Sementes do Xingu e a Rede de Sementes do Vale do Ribeira estão na ativa. Com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), indígenas e quilombolas se dedicam a ressemear a Amazônia e a Mata Atlântica. Outras iniciativas parecidas vêm brotando mundo afora. O verde se firma como a cor da esperança. Que 2022 seja o ano da colheita! 

“Alegria, formosa centelha divina”, escreveu o autor alemão Friedrich Schiller, em poema que inspirou o seu compatriota Beethoven a compor sua nona sinfonia. “Ó, amigos, mudemos de tom! Entoemos algo mais prazeroso e mais alegre!”, conclama a “Ode à alegria”. A própria natureza canta quando está alegre. É o que diz outra notícia de dezembro que veio acalentar nossos corações: pesquisadores das universidades inglesas de Exeter e Bristol registraram um coral de peixes num recife de coral arruinado pela pesca predatória na Indonésia, que está se recuperando. Corais são florestas marinhas. O canto dos peixes é um chamado à semeadura; não só de árvores, mas de bons sentimentos.

 

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