A tática é de pesca de arrasto: governo e Congresso jogam uma rede grande o suficiente para pegar todo o cardume de uma vez. No lugar dos peixes, estão os nossos direitos, a integridade do meio ambiente e até mesmo o patrimônio histórico do país. Escapa uma piaba ou outra, mas os peixões são levados no arrastão. Funciona assim: agindo coordenadamente, Executivo e Legislativo lançam Medidas Provisórias (MPs), Projetos de Emendas Constitucionais (PECs) e Projetos de Lei (PLs) tratando da mesma matéria, sucessivamente, até que um deles seja aprovado. E é pesca noturna, pois as votações muitas vezes acontecem na calada da noite.
Vindas diretamente do Palácio do Planalto, as MPs 756/2016 e 758/2016, de autoria do presidente Michel Temer, passam o rodo em de uma vez em mais de 1,1 milhão de hectares de áreas de proteção e Unidades de Conservação (UCs) das florestas brasileiras, o que dá cerca de duas vezes a área do Distrito Federal. A UC mais afetada é a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no Pará, que, além de perder uma área de 486 mil hectares (37% do total), deve ser transformada em Área de Proteção Ambiental (APA), que permite atividades de pecuária e de mineração. A mudança também favorece grileiros e posseiros que invadiram a Flona, que já era a UC mais desmatada da Amazônia – Jamanxim já perdeu 12% da sua cobertura florestal.
Hoje, pelo menos 10% das terras protegidas do país estão ameaçadas por projetos em tramitação no Congresso. São cerca 80 mil km2, o que dá uma Áustria. O primeiro da fila é o PL 3.729/2004, que afrouxa as regras acerca do licenciamento ambiental no Brasil, que pode ser votado a qualquer momento. Muito criticado por ambientalistas, ONGs e até órgãos do governo, o PL, que ora tramita na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara, passou por diversas adaptações e já está em sua sétima versão. Porém, segundo representantes do Ministério Público Federal (MPF), ele ainda traz propostas inconstitucionais que podem causar um maremoto político e jurídico. Entre os pontos criticados, destacam-se a autonomia concedida aos estados para a emissão de licenças ambientais; a concessão de licenças independentemente da opinião de órgãos públicos diretamente atingidos; a dispensa de licenciamento para atividades de alto impacto ambiental na agricultura e na pecuária; e o fim do licenciamento arqueológico.
O fato de permitir que estados legislem cada um ao seu bel prazer, estabelecendo suas próprias regras para usá-las como iscas para atrair empreendimentos, poderá atingir diretamente os planos diretores das cidades e diminuir gradativamente a proteção ambiental no país. Também de acordo com o PL, órgãos como o Iphan, a Funai e o Instituto Chico Mendes só seriam consultados no momento da renovação de licenças. E isso poderia acontecer num prazo de cinco ou seis anos – o famoso tarde demais.
Outro ponto questionado é a dispensa de licenciamento para atividades como agricultura e pecuária, e para grandes obras de infraestrutura, como a ampliação de obras rodoviárias, ferroviárias e em sistemas de transmissão e distribuição de energia. Segundo o texto, apenas questões relacionadas ao desmatamento devem ser avaliadas, nos termos do Código Florestal. Práticas como o uso de agrotóxicos, que podem impactar gravemente o meio ambiente, não estão previstas no PL. E embora se chame licenciamento ambiental, ele também engloba o patrimônio histórico brasileiro, como sítios arqueológicos.
O enfraquecimento do licenciamento ambiental é um dos retrocessos denunciados pelo movimento de resistência formado por mais de 100 organizações e entidades ambientalistas, indígenas, de direitos humanos e do campo contra as ações do governo Temer e da bancada ruralista que põe em risco todo o país.
Vamos romper essa rede! #resista!