Precisamos declarar guerra à poluição. É uma questão de vida ou morte, já que ela mata mais do que os conflitos armados e outras formas de violência. Segundo o último relatório da ONU Meio Ambiente, todo ano a poluição causa um quarto (12,6 milhões) de todas as mortes de seres humanos. Em 80% das grandes cidades do mundo, a qualidade do ar está abaixo do nível aceitável. Por isso, a fumaça que sai de chaminés e escapamentos é a que mais mata: 6,5 milhões. Não dá simplesmente para tapar o nariz e seguir em frente com um problemão desses. Até porque ele custa 7,2% do PIB global por ano.
Respirar pode matar, mas o pior é que o inimigo também faz baixas na terra e no mar: cerca de 4,5 bilhões, mais da metade da população do mundo, não têm acesso a saneamento básico, 2 bilhões não têm um banheiro adequado, e mais de 80% do esgoto mundial é despejado na natureza sem tratamento, contaminando o solo, rios, lagos e o mar. Além disso, os 50 maiores lixões do planeta põem em risco a vida de 64 milhões.
Como o peixe, correm risco de morrer pela boca as 3,5 bilhões de pessoas que se alimentam do que tiram do mar. E a mesma poluição que nos enfraquece está tornando as bactérias mais fortes. Os microrganismos estão ganhando resistência a antibióticos por causa do descarte impróprio de medicamentos e de substâncias químicas na natureza. Isso está custando a vida de 700 mil pessoas por ano. Todo dia se descobre um novo malefício da poluição: um recente estudo realizado por pesquisadores das Universidades de Hong Kong e de Utrecht, na Holanda, alerta que exposição contínua a poluentes na atmosfera pode deteriorar a qualidade dos espermatozoides. E a má qualidade do ar pode desfazer os benefícios à saúde que uma boa caminhada traria aos mais idosos.
Aliás, praticar esportes em cidades muito poluídas está ficando impraticável. No início do mês, uma partida de críquete entres as seleções do Sri Lanka e da Índia, em Nova Délhi, teve que ser interrompida por causa da poluição. Em novembro, as escolas da capital indiana tiveram que suspender as aulas, porque a poluição do ar atingiu um nível quase 39 vezes maior do que a Organização Mundial de Saúde considera aceitável. A Índia é o “i” dos Brics, grupo de países emergentes, que conta ainda com Brasil, Rússia e África do Sul. Olhando para o mal que aflige os indianos, podemos refletir sobre o modelo de desenvolvimento que temos adotado.
Na maior cidade brasileira, São Paulo, respirar por duas horas equivale a fumar um cigarro. Sua Lei Municipal do Clima, criada em 2009, determina que a partir do ano que vem toda a frota paulistana de ônibus seja abastecida por combustíveis 100% renováveis. Isso seria o suficiente para salvar uma vida por dia e economizar R$ 3,8 bilhões até 2050. Se a lei não pegar, a poluição vai matar mais de 178 mil pessoas na cidade e gerar um prejuízo de R$ 54 bilhões nos próximos 33 anos. Há motivos de sobra para ser cético: até agora, R$ 8,8 bilhões foram esgoto abaixo na vã tentativa de despoluir o Tietê. O projeto de limpeza do rio data de 1993, era para ter sido concluído em 2005. Dinheiro e tempo escorrendo pelo esgoto. O motivo? Uma modalidade olímpica, quer dizer, política que se tornou uma especialidade brasileira: empurrão de problemas com a barriga.
A Justiça tardou tanto, que não dá para dizer que não falhou com Cubatão: somente depois de 31 anos, 24 empresas do polo petroquímico e siderúrgico local foram condenadas pelos danos que causaram ao meio ambiente e por fazer a ONU lhe dar o título de cidade mais poluída do mundo nos anos 1980. Companhias como Petrobras e Rhodia fizeram Cubatão ser conhecida também como Vale da Morte. A poluição levou doenças à população e causou o nascimento de bebês com malformações no cérebro. Pássaros e peixes sumiram e a chuva ácida matou a vegetação de Mata Atlântica da Serra do Mar. Hoje, graças a medidas implantadas pela Constituição de 1988 e pelas resoluções da Rio-92, Cubatão começa a respirar novamente. E agora ganhou esse cheirinho de vitória. Mariana também terá que esperar esse tempo todo por essa mesma sensação?
O país despeja em seus rios o equivalente a 2 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura por dia. O dado é do Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo o estudo, 81% dos municípios brasileiros jogam metade dos dejetos que produzem em cursos d’água, sem nenhum tratamento. No Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do país, são quase 70%. O país tem hoje cerca de 83 mil km de rios considerados mortos – o que equivale à soma da extensão dos 17 maiores do mundo.
O brasileiro poluindo cada vez mais para produzir eletricidade. Com a seca esvaziando os reservatórios das hidrelétricas, a produção de energia por termelétricas mais do que dobrou de janeiro a agosto deste ano. E em vez de corrermos para cumprir a nossa parte do Acordo de Paris, tomamos a contramão: outro dia mesmo, o governo rescindiu o contrato para a construção de 16 novos parques eólicos e nove usinas solares, que gerariam 557 megawatts de energia limpa. Ao mesmo tempo, planeja construir novas termelétricas, como a de Peruíbe, em São Paulo, encravada numa área preservada de Mata Atlântica. É este futuro cinzento que queremos?
Mais de 4 mil pessoas, entre chefes de Estado, ministros, empresários, funcionários das Nações Unidas, representantes da sociedade civil, ativistas e celebridades se reuniram na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, em Nairóbi, no Quênia, na semana passada. Com o sinal de alerta ligado, foram tomadas decisões importantes. Pela primeira vez, os ministros do meio ambiente presentes fizeram uma declaração conjunta. O documento afirma que seus países vão honrar os compromissos firmados para prevenir, amenizar e gerenciar a poluição do ar, do solo, da água doce e dos oceanos. Se as promessas forem cumpridas, 1,49 bilhão de pessoas a mais vão respirar ar puro, 480 mil quilômetros (aproximadamente 30%) das costas litorâneas serão limpas e 18,6 bilhões de dólares, investidos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para combater com a poluição.
Ao menos a ONU parece estar levando esses compromissos a sério: suas duas maiores autoridades ambientais, a secretária-executiva da Convenção sobre Mudança do Clima, Patricia Espinosa, e o secretário-executivo da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, assinaram um acordo de cooperação para agilizar a tomada de decisões sobre o clima e no combate à poluição. “A realidade mostra que há uma clara ligação entre a poluição e a mudança do clima”, disse Patricia. Só não vê que o tempo está fechando quem não quer.
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