Diz a sabedoria popular, aquela que não costuma errar, que não se come dinheiro. Mas se é assim, por que adotamos um modelo de desenvolvimento que visa o lucro em detrimento do bem-estar comum? Precisamos mesmo produzir tanto assim? Na natureza não existe crescimento infinito. Então, de onde vem a nossa fome de crescimento? Não é da barriga roncando, por certo: segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 1,3 bilhão de toneladas de comida – ou 1/3 do que é produzido por ano no planeta – vai para o lixo. Com apenas 1/4 do que é desperdiçado hoje seria possível alimentar as 870 milhões de pessoas que passam fome no mundo.
Não se discute a importância da agropecuária. Mas se há produção em excesso convivendo com a fome, então por que produzir mais? Além de ser a atividade que mais consome água (70% do total) no mundo, a agropecuária também é a que mais a contamina. A agricultura entra com o vazamento de produtos químicos, e o uso de fertilizantes e pesticidas, que chegam aos lençóis freáticos. E há 20 anos, a pecuária vem tratando o gado à base de antibióticos e hormônios que, eliminados pelos organismos dos animais, penetram no solo e contaminam reservatórios.
Já tem mais smartphone e boi do que gente no Brasil: são 220 milhões de aparelhos em funcionamento e mais de 218 milhões de cabeças para uma população de cerca de 208 milhões. Por causa do desenvolvimento a qualquer custo, estamos sendo despejados do país, seja por causa de grandes obras de infraestrutura – como hidrelétricas – pela especulação imobiliária ou pela expansão da mineração e do agronegócio. O problema atinge campo e cidade. Só a Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, desalojou mais de 40 mil pessoas e há 40 anos, o povo Assurini sofre os danos causados pela construção da Usina de Tucuruí, no Tocantins.
O Brasil perde cerca de 20% de toda energia que gera por causa de defeitos nas linhas de transmissão. Investindo na redução do desperdício e do consumo (principalmente o industrial e o residencial), seria possível evitar a construção de mais hidrelétricas. Na cidade grande, o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, mostrou que essa busca insaciável pelo lucro sequer segue a lei básica do mercado: são mais de 6 milhões de famílias, contra 7 milhões de imóveis vazios; ou seja, a oferta é maior do que a demanda. As grandes cidades incham artificialmente e, aos poucos, vão se tornando inabitáveis. É nesse ambiente que queremos viver?
O pior é que não há um vilão palpável nessa história. Quem toca as rédeas do mundo contemporâneo não são governos ou cidadãos, mas as grandes corporações, que agem como organismos vivos. Só que elas não têm alma. A Bayer se fundiu com a Monsanto: agora produz remédio e veneno ao mesmo tempo. Obedecem a uma única lógica: dar lucro a seus acionistas. Não à toa, as grandes corporações são protagonistas dos maiores escândalos políticos, crises econômicas e humanitárias e desastres ambientais do mundo nas últimas décadas. Esse lucro abstrato é prejuízo concreto para todos nós. Em nome de que estamos nos deixando guiar?
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