O que os olhos não veem, o coração não sente. A velha máxima guia os políticos brasileiros, que preferem investir em obras que façam vista – como elefantes brancos tipo Belo Monte –, em vez de concentrar seus esforços no bem-estar da população. “Esgoto não dá voto”, pensam os marotos, enquanto gente à beça baixa hospital: as doenças transmitidas pela água são responsáveis por 80 a 90% das internações no Brasil. Ou seja: tratando dela como se deve, praticamente resolvemos o problema da saúde pública no Brasil. Em nome de que tanta negligência?
O governo decretou, no início de julho, uma Medida Provisória que estabelece novas regras para o setor no país. A justificativa é que o novo marco regulatório poderá trazer mais investimentos privados para o setor. A MP 844/18 modifica as leis 9.984/00, que criou a Agência Nacional de Águas (ANA), e 11.445/07, que estabelece as diretrizes para o saneamento básico. Ela vem recebendo críticas, entre outras razões, porque altera a função da ANA – que deixa de ser um órgão regulador para se tornar responsável por serviços de saneamento. Mas ao menos está servindo para trazer o assunto à tona; e em boa hora, já que estamos às vésperas das eleições.
Despejamos diariamente em nossos rios o equivalente a 2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento. A esmagadora maioria dos municípios brasileiros (81%) joga na natureza metade dos dejetos que produzem. Na segunda maior cidade do país, o Rio de Janeiro, são quase 70%. Muito dinheiro vai pelo ralo também: um paciente internado custa ao SUS cerca de R$ 356. Enquanto isso, cada R$ 1,00 investido em saneamento básico gera uma economia de R$ 4,00 na saúde. Em nome de que, então, tamanho descaso?
Voltando a Belo Monte: a licença de operação da hidrelétrica foi suspensa em abril do ano passado, justamente porque a concessionária Norte Energia não cumpriu com a condicionante de instalar um sistema de esgoto eficiente em Altamira. A população da cidade paraense cresceu 50% por causa da construção da usina e a falta de saneamento básico pode levar o Rio Xingu a um colapso.
Segundo o Ranking 2018 da Universalização do Saneamento da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), só quatro cidades do Brasil conseguiram dar aos seus cidadãos acesso total aos serviços de abastecimento de água, e coleta e tratamento de esgoto: São Caetano do Sul, Piracicaba, Santa Fé do Sul e Uchoa, todas em São Paulo. Das capitais, a que está mais próxima de chegar à universalização é Curitiba; a mais distante, Porto Velho, no coração da Amazônia.
A seleção brasileira pisou na bola na Rússia, mas se a Copa do Mundo fosse de saneamento básico, faria mais feio ainda: não passaria nem pelos mexicanos. O placar seria 71,5% de domicílios atendidos para eles e 68% para nós. Nesta competição, perderíamos para seleções de menor expressão, como Coreia do Sul (99,0%), Egito (79,5%), Austrália (87,0%), Tunísia (83,5%) e Japão (99,5%). Em se tratando do cuidado com a água, ainda somos um time pequeno.
Saiba mais:
Doenças Relacionadas com a Água
Conheça algumas doenças causadas pela falta de saneamento básico
Medida provisória estabelece novas regras para saneamento básico no país
Privatizar e regular: o que muda com a MP do saneamento
MP estabelece novas regras para saneamento básico no país
Congresso recebe medida provisória que altera marco legal do saneamento básico
Novo marco do saneamento cria agência reguladora e regras para PPPs
Medida Provisória não resolve o problema do saneamento no Brasil (artigo de Malu Ribeiro e Mario Mantovani)
Se a Copa do Mundo fosse de saneamento básico
Apenas 4 cidades do Brasil atingem nota máxima em ranking de acesso a saneamento básico
Saneamento avança, mas Brasil ainda joga 55% do esgoto que coleta na natureza, diz estudo
Licença de Operação de Belo Monte é suspensa em decisão histórica