A vontade da urna é soberana; e o desejo que se manifestou foi o de construir um Brasil diferente e grande. Mas, ao contrário do que alguns poderiam supor, essa vontade não é incompatível com o modelo econômico que países mais desenvolvidos começam a adotar. A bola está conosco. A responsabilidade do país com o futuro do planeta é imensa. Ninguém tem tanta água, biodiversidade e capacidade de gerar energia limpa quanto nós. Essas três riquezas não só movimentarão a economia do novo mundo que se avizinha, como serão fundamentais para a nossa sobrevivência enquanto espécie.
Que tal se o país chamasse para si a responsabilidade de conduzir as grandes mudanças pelas quais passaremos inevitavelmente? É o que o mundo espera de nós. Isso já acontece naturalmente: ninguém torce contra o Brasil. De que forma? Por exemplo: um dos motes da campanha do presidente eleito foi a proteção à família; que tal, então, pensarmos em nosso papel em escala global? Temos o mesmo DNA, a Humanidade é uma grande família. Não é somente uma crença de muitos, a Ciência laica também assegura.
Partindo dessa ideia, podemos expandir outros conceitos que se saíram vitoriosos na campanha à Presidência – beneficiando não só a nós, como a nossos irmãos de planeta. Como segurança, integridade territorial e combate à corrupção. Sobre este último, não custa lembrar que Uma Gota no Oceano nasceu de um movimento que questionava a construção da Usina de Belo Monte, hoje alvo da Operação Lava Jato. Desenvolvimento sustentável também é segurança: nunca devemos nos esquecer que na pior tragédia ambiental do Brasil, em Mariana, morreram 19 pessoas junto com o Rio Doce.
Apesar de as sombras do desvio de dinheiro público e da ineficiência energética rondarem esse tipo de empreendimento, o futuro presidente já manifestou sua vontade de retomar o projeto de construir hidrelétricas na Amazônia. Como ele já mudou de ideia antes – como a de tirar o Brasil do Acordo de Paris e fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura – vamos torcer para que o bom senso prevaleça novamente. Até por outras questões de ordem prática: com a taxa de desemprego batendo a casa dos 13,6%, não dá para relevar o fato de que hoje a energia solar é a que mais gera empregos no mundo no setor: só em 2017 foram criados 3,4 milhões de novos postos de trabalho, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena).
O conceito de segurança pública, tão presente ao debate eleitoral, não deve ser reduzido simplesmente ao combate à violência urbana e no campo. É preciso pensar também em segurança alimentar e hídrica. Precisamos produzir comida mais saudável para todos e garantir que tenhamos água doce no futuro. As previsões são catastróficas: até 2030, 40% das reservas hídricas do planeta podem simplesmente evaporar. Mas só o recém-descoberto Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga) tem água para abastecer todo o planeta por 250 anos.
Quando defende afrouxar o licenciamento ambiental e o uso de agrotóxicos, o presidente eleito acaba expondo a população a mais riscos. Imaginem um desastre como o que vitimou o Rio Doce acontecendo no coração da Amazônia? Querem construir 43 barragens na Bacia do Tapajós. O rio, o último grande afluente da margem direita do Amazonas que ainda corre livre, é guardião de uma das maiores biodiversidades do planeta. Só de vegetais, são mais de 1.400 espécies diferentes. Essas plantas, muitas delas endêmicas, podem servir em breve tanto como matéria-prima para produtos biodegradáveis quanto para curar doenças. Em nome de que vamos arriscar a sua segurança?
O Brasil perdeu 71 milhões de hectares de vegetação nativa em 30 anos. Ninguém cuida melhor de nossas matas do que os povos tradicionais: as Terras Indígenas (TIs) são as mais preservadas do país. Pouco simpático à causa no início de campanha, o futuro presidente parece ter reavaliado sua opinião. Em entrevista que concedeu a uma indígena, transmitida pela Internet, estava sorridente e bem-falante; mas, talvez por não ser um especialista, não prometeu nenhum direito que povos originários já não tivessem. Exceto um: o de poder vender suas terras.
Curiosamente, uma das preocupações do então candidato sobre a questão indígena era a de que temia que o Brasil se fragmentasse em diversos países, dada uma alegada autonomia que os povos originários teriam em relação aos seus territórios. Só que segundo o artigo 20 da Constituição de 1988, TIs são bens da União e, conforme o 231, não podem ser vendidas ou cedidas. Então, nossa integridade territorial está garantida – estes artigos foram escritos justamente com este objetivo. Então o presidente eleito tem uma coisa a menos para se preocupar. Bola pra frente? O mundo conta com a gente.
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