*Por Toya Manchineri
Se estamos juntos nessa luta, é preciso que todos façam a sua parte, o quanto antes. E isso inclui não só assumir – e cumprir – compromissos ambientais e climáticos, como a responsabilidade por financiar um movimento global por justiça climática. Queremos participar das decisões que dizem respeito a nós, ao Brasil e o resto do mundo, e queremos autonomia. Nossa experiência, a Ciência e a História nos dão aval para tanto. Quantas COPs mais teremos que esperar para que todos façam a sua parte? A contagem regressiva para o abismo não para. Se a Amazônia for destruída, a distância não irá protegê-los. É hora de união e ação!
Cada violência praticada contra nós é mais um passo que a Humanidade dá para o seu fim. Quem diz isso é a Ciência: não só os países amazônicos correm o risco de virar cinza; o planeta inteiro vai queimar caso a floresta deixe de existir. E não haverá Amazônia sem nós, indígenas; porque nós somos a Amazônia. Sua terra e biodiversidade são nossos corpos, seus rios correm em nossas veias. Nossos ancestrais não só a preservaram por milênios, como ajudaram a cultivá-la. Vivemos nela e por ela. Dona da maior reserva de água doce do planeta, ela é, também, uma barreira natural contra o avanço das mudanças climáticas.
Representantes de Brasil, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Guiana e Suriname, que formam a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), se reuniram em Belém para discutir o futuro da floresta na Cúpula da Amazônia. Temas como preservação, economia e transição ecológica estiveram na pauta. Ou seja, tudo o que praticamos muito antes de o colonizador nos impor fronteiras e conceitos. Só que muita coisa importante ficou de fora da Declaração de Belém, sua carta de intenções. Entre elas, dois pontos fundamentais: o compromisso de desmatamento zero até 2030, uma sugestão brasileira; e o fim da exploração de petróleo na região, que partiu do governo colombiano.
Pelo jeito, o Brasil ainda não desistiu de perfurar a foz do Rio Amazonas em busca de petróleo. Nós, Manchineri, acreditamos que cada rio, montanha, animal, espírito, planta ou ser humano é um mundo próprio ligado ao todo. Este pensamento é comum à maioria dos povos originários. Por isso, mesmo que eu pertença a um povo que vive no Acre, me preocupo com o que acontece a milhares de quilômetros de distância de minha casa, na fronteira do Amapá com o Pará.
Nós, povos indígenas, somos a transição ecológica natural. Somamos 5% da população do planeta e protegemos 80% de sua biodiversidade. A despeito dos alertas do IPCC da ONU, cada Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) parece patinar no mesmo lugar. Pensando nisso, também nos reunimos em Belém, na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, para criar uma estratégia de comunicação e elaborar uma pauta comum de reivindicações e sugestões concretas, que será apresentada na próxima COP, em Dubai.
Foram cerca de 1.500 representantes de povos – do Brasil e países vizinhos –, que vivem na Bacia Amazônica. Elaboramos um documento listando nossas reivindicações mais urgentes, que o leitor pode conhecer em sua totalidade aqui. Posso assegurar que é do seu interesse também. Entre nós, a unanimidade é que nossos direitos territoriais sejam definitivamente assegurados.
A ganância tem imaginação ilimitada. O “marco temporal” é apenas sua última invenção; já, já, inventam outra. E este foi outro assunto que ficou de fora das discussões da Cúpula da Amazônia. Nossas terras são as principais barreiras ao desmatamento – só 1% da vegetação nativa foi derrubada dentro delas nos últimos 30 anos no Brasil – e somos os primeiros a sofrer com os efeitos a injustiça climática: municípios indígenas na Amazônia são os mais afetados por enchentes, secas e deslizamento de terra. Mas as consequências estão chegando a todo mundo, indistintamente.
Se querem sobreviver, não deixem que nos matem. Não morremos apenas quando nossas almas deixam nossos corpos, mas também quando somos arrancados de nossas terras. Trazemos impressos em nossos corpos e almas as marcas da violência diária e secular. Se quiserem usar nossas terras, respeitem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): consultem-nos e peçam nossa permissão antes. Nossa decisão estará sempre embasada na garantia do bem-comum, não em nossos interesses pessoais. Nossos ancestrais e nossa consciência nos guiam.
A Terra é a casa de todos os povos; logo, defendê-la não é exclusividade nossa. É preciso, por exemplo, que os europeus entendam que é preciso proteger a Amazônia de dentro de suas fronteiras também. Boa parte do ouro extraído de nossa casa ilegalmente, que envenena nossos rios, e da madeira contrabandeada tem a União Europeia como destino.
Os maiores poluidores do planeta são China e EUA; por quanto tempo eles vão continuar adiando suas ações? Se estamos juntos nessa luta, é preciso que todos façam a sua parte, o quanto antes. E isso inclui não só assumir – e cumprir – compromissos ambientais e climáticos, como a responsabilidade por financiar um movimento global por justiça climática. Queremos participar das decisões que dizem respeito a nós, ao Brasil e o resto do mundo, e queremos autonomia. Nossa experiência, a Ciência e a História nos dão aval para tanto. Quantas COPs mais teremos que esperar para que todos façam a sua parte? A contagem regressiva para o abismo não para. Se a Amazônia for destruída, a distância não irá protegê-los. É hora de união e ação!
*Toya Manchineri é Coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).