É hora de ouvir os povos indígenas

abril 2019

Tem muita gente por aí dizendo saber o que o índio quer. Os palpites são muitos e vêm de todos os lados, com os mais variados interesses e intenções. Com esse ruído todo, as vozes indígenas (no plural, já que são múltiplas) acabam abafadas. Neste Abril Indígena, então, que tal começar a dar ouvidos aos próprios índios para saber quais são as suas demandas verdadeiras?

Entre os dias 24 e 26, lideranças de povos de todo o país vão se reunir no 15° Acampamento Terra Livre, em Brasília, para defender a manutenção e ampliação dos seus direitos.

Evento mais importante no calendário anual dos povos originários brasileiros, o ATL é financiado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por quem mais acredita na causa, através de doações particulares de cidadãos e instituições. Para os interessados, é possível contribuir com as vaquinhas virtuais — de dinheiro ou milhas de avião. Nem um centavo vem do dinheiro público. Portanto, vamos parar de gritar sobre o que não sabemos. É hora de ouvir.

Um dos principais temas a serem debatidos é o esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que pegou todos de surpresa logo no primeiro dia do ano. Além de transferir o órgão do Ministério da Justiça para a recém-criada pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, o novo governo também tirou dele a atribuição de demarcar terras indígenas. Agora, a responsabilidade é da Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Ou seja, uma demanda crucial dos povos indígenas está nas mãos dos ruralistas, justamente eles que vivem de olho nos territórios para aumentar ainda mais seu lucro.

É bom lembrar que os povos tradicionais têm um papel essencial na proteção da natureza, impedindo o desmatamento de suas áreas e preservando a biodiversidade. Os benefícios de suas ações não são apenas locais e restritos aos membros da etnia. Eles cruzam fronteiras, já que colaboram para desacelerar as mudanças climáticas e garantir o equilíbrio de temperaturas no planeta todo.

A falta de compreensão das demandas indígenas ajuda justamente quem está de olho nessas terras tão preciosas. O discurso deles ganha força e, muitas vezes, descamba no ódio. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos cinco terras demarcadas foram invadidas desde o início do ano. Foram registrados roubo de madeira, derrubada de floresta para pastagens e estabelecimento de lotes para ocupação ilegal. O caso fica ainda mais grave porque quatro desses territórios têm a presença de povos isolados. E vai mais além: também foram relatados ataques a tiros contra os Guarani Mbya da retomada Ponta do Arado, no Rio Grande do Sul, e ameaças de morte a caciques na Terra Indígena Caiapucá, na divisa entre o Acre e o Amazonas.

Apesar de antiga, outra questão que ainda assombra os povos indígenas é o “marco temporal”. A tese jurídica é defendida por ruralistas e, se aceita pelo Supremo Tribunal Federal, pode restringir o direito constitucional de demarcação de territórios a apenas áreas comprovadamente ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988. Um retrocesso e tanto.

Entre tantos desafios, é preciso dar destaque também às conquistas de anos e anos de resistência organizada. No fim de março, lideranças fizeram-se ouvir ao irem às ruas nos quatro cantos do país para protestar contra a decisão do Ministério da Saúde de extinguir a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e municipalizar o serviço. Deu certo. O ministro Luiz Henrique Mandetta afirma ter desistido da mudança, apesar de não ter dado prova mais concreta da decisão. Além disso, as vozes dos povos tradicionais têm ressoado no Congresso Nacional. Começou com a eleição de Joênia Wapichana e agora se consagrou com a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, no início deste mês, com a surpreendente adesão de 248 parlamentares. É um passo importante para garantir o espaço de fala de quem é tão pouco representado dentro da política nacional.

As demandas, como se vê, não são poucas e não são simples. Repetimos, é preciso apurar os ouvidos para entendê-las. E não apenas durante o ATL, mas o ano inteiro.

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