#PrayForAmazonas

agosto 2019

Há quase dois séculos o romancista francês Victor Hugo escreveu que “é triste pensar que a natureza fala e que a raça humana não a escuta”. Cansada de não ser ouvida, a Amazônia desenhou uma mensagem no céu da maior cidade do país na última segunda-feira: o dia virou noite às 15h e logo depois caiu uma chuva preta sobre São Paulo. O fenômeno, com cara de profecia bíblica, foi causado pelo fogo que consome a maior floresta tropical do planeta desde o início do mês.

Se anoiteceu à tarde na capital paulista, na região onde acontecem os incêndios o céu da noite exibe um tom amarelado devido à fumaça e às chamas intensas. Isso vem acontecendo há algum tempo, sem que o resto do Brasil se desse conta. No início do mês, o jornal “Folha do Progresso”, da cidade de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, publicou uma reportagem em que fazendeiros locais anunciavam “o dia do fogo”. No dia 10 foram registrados 124 focos de incêndio na região, um aumento em 300% em relação ao anterior.

A Reserva Ambiental Margarida Alves, que fica em Rondônia, arde sem parar desde o fim de julho. Só no estado houve um aumento de 192% em comparação com o ano passado – o que dá 53 mil focos de incêndio até agora. O número de queimadas no Brasil aumentou 82% em relação a 2018. A Amazônia concentra 52,5% delas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estado do Mato Grosso lidera as queimadas na região, com 13.682 focos de calor acumulados em todo o ano. Como a estiagem em 2019 não está sendo tão dura quanto em anos anteriores, não há como creditar a ela o fenômeno. O bicho homem colabora de duas formas: ateando fogo e arrancando planta. O desmatamento disparou na Amazônia, ajudando os incêndios a se alastrarem.

Não por acaso a natureza, sábia que é, escolheu o coração econômico do Brasil para mandar o seu recado. Logo que foi divulgado o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, o professor Humberto Barbosa, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o primeiro brasileiro a liderar sua elaboração, alertava para as consequências do aumento do desmatamento na região mais rica do país: “A região Sudeste do Brasil seria a mais afetada porque há uma relação pelo transporte da umidade, pela evapotranspiração da floresta para a região. Há ventos da cordilheira dos Andes que arrastam essa umidade para a região centro-sul, que poderia ter secas”.

“Não é só no Brasil, mas a região amazônica tem um impacto muito grande no planeta. O mundo está de olho, há um interesse muito grande na Amazônia, não só com a pressão internacional, mas um olhar de como o Brasil está tratando essa questão ecológica e do desmatamento. Todos os modelos são unânimes e mostram que, quando se afeta essa vegetação, afeta o clima do planeta”, continua Humberto Barbosa. A Floresta Amazônica produz água para o restante do país e da América do Sul. Os chamados “rios voadores”, formados por massas de ar carregadas de vapor de água, gerados pelo fenômeno conhecido como evapotranspiração, levam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de influenciar o ciclo de chuvas na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile.

Segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Ipam), uma árvore com copa de 10 metros de diâmetro pode bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água em forma de vapor por dia – mais que o dobro da água consumida por dia por um brasileiro. Uma árvore maior, com copa de 20 metros de diâmetro, pode evapotranspirar mais de mil litros diariamente, levando chuva para irrigar lavouras, encher rios e represas. Logo, preservar a floresta é fundamental para o agronegócio e para gerar energia no Brasil.

A fumaça amazônica que chegou a São Paulo tomou um caminho parecido com o que fazem os “rios voadores”. Então, não foi por acaso que o “apocalipse paulistano” acordou o mundo inteiro. A hashtag #PrayForAmazonas chegou ao topo dos trending topics das redes sociais, com um alcance estimado de 235 milhões de pessoas, de acordo com a plataforma de análise e monitoramento TalkWalker. Ela foi puxada por celebridades como Madonna, Gisele Bündchen, Anitta, Leonardo DiCaprio, Kim Kardashian, Mbappé e Cara Delevingne, e cidades brasileiras e de outros países, como Itália, Espanha, Alemanha, Equador, Uruguai e Peru, marcaram manifestações para sexta-feira, sábado e domingo.

A esmagadora maioria da população brasileira (96%) defende um aumento do combate ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica, segundo uma pesquisa recém-divulgada pelo Ibope, em parceria com a plataforma de campanhas Avaaz. “A natureza não faz milagres; faz revelações”, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade. A Amazônia precisa de nossa ajuda.

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