A arte indígena da negociação

maio 2019

Se por um lado o governo federal demonstra ter pouca habilidade para a articulação, por outro os povos indígenas vêm demonstrando pelo mundo afora o que é exercer a arte da política com P maiúsculo. Dialogando abertamente com todos, com astúcia, bons argumentos e serenidade, eles têm conquistado corações e mentes. Em Nova York, nos Estados Unidos, Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), deu uma aula em planejamento aos acionistas da maior gestora de investimentos do mundo, a BlackRock, em sua reunião anual: lembrou o mau negócio que é aplicar dinheiro em empresas que comprovadamente causam danos ao meio ambiente e ferem os direitos dos povos indígenas.

Os indígenas também brilharam no festival de cinema em Cannes, na França, com o Cacique Raoni desfilando a força da cultura milenar indígena no tapete vermelho mais famoso do mundo. Antes, a liderança Kayapó foi recebida pelo presidente francês Emmanuel Macron com honras de chefe de Estado e saiu com a promessa de apoio à preservação da Amazônia; dias depois, foi a vez de conquistar a solidariedade do Papa Francisco. Enquanto isso, aqui no Brasil, a deputada federal Joênia Wapichana foi fundamental para a aprovação do parecer que prevê a volta da Funai para o Ministério da Justiça.

O principal argumento indígena é irrefutável. Já que não foram eles que traçaram fronteiras que dividem o planeta, o enxergam como todos deveriam: a nossa casa comum. Logo, todos têm sua parcela de responsabilidade para mantê-la arrumada e habitável.

Os resultados das últimas andanças das lideranças indígenas evidenciam que elas têm muito mais a nos ensinar do que supomos. Em Nova York, Eloy Terena, representando um acionista-investidor, fez um discurso enfático no encontro da BlackRock. “Vocês têm a responsabilidade sobre o nosso futuro”, disse ele. Com toda propriedade, Eloy pediu uma auditoria e restrições a investimentos e compras de commodities produzidas em propriedades localizadas em terras indígenas ou que operem em áreas de conflito.

Emmanuel Macron recebeu Raoni e mais três lideranças indígenas (Kayula, Tapy Yawalapiti e Bemoro Metuktire) no Palácio do Élysée. E, além de prometer ajuda financeira para o projeto de preservação do Parque Indígena do Xingu, ameaçado por madeireiros, grileiros e garimpeiros, comprometeu-se a discutir o tema com o presidente Jair Bolsonaro durante a cúpula do G20 em Osaka, no Japão, nos dias 28 e 29 de junho. O presidente também anunciou que a França planeja sediar uma cúpula internacional de povos indígenas em junho de 2020.

Raoni também esteve em Bruxelas, onde participou de uma marcha pelo clima promovida por jovens, e em Luxemburgo, onde se encontrou com o Grão-Duque Henri, o primeiro-ministro, Xavier Bettel, e o ministro das Finanças, Pierre Gramegna, e recebeu uma doação de 100 mil euros a serem investidos na preservação do Xingu.

Além de vencer a batalha do retorno da Funai de volta para o Ministério da Justiça, Joênia Wapichana ganhou mais outra: o órgão também vai reassumir a função de demarcar terras indígenas, que havia sido transferida para o Ministério da Agricultura. A Funai, que há tempos já respirava por aparelhos, quase recebeu seu golpe de misericórdia pela Medida Provisória (MP) 870, baixada pelo presidente em seu primeiro dia de mandato.

“Sempre fui minoria por onde passei. Isso que me impulsionou a provar que somos capazes, que o indígena não é inferior e que basta ter uma oportunidade, que ele agarra”, disse Joênia, logo depois de ser eleita a primeira mulher indígena do Congresso. Esse papo de que os povos tradicionais têm muito a nos ensinar sobre a preservação do meio ambiente já está ficando velho: agora estão nos mostrando como se debate para ganhar. Palmas de ouro para eles.

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