O Brasil é o lobo em pele de cordeiro do ambientalismo. Da boca pra fora, somos os reis da preservação e da sustentabilidade; mas a fantasia é tão mal-acabada que não engana mais ninguém. Não à toa, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cancelou a turnê que faria pela Europa para vender esse peixe. Pegaram muito mal a carta publicada na prestigiada revista “Science” assinada por 602 cientistas e duas associações indígenas, as notícias sobre o aumento do desmatamento na Amazônia no início deste ano, as tentativas de rever a demarcação de parques nacionais e o fato de Salles ter bloqueado cerca de 95% do orçamento deste ano para enfrentar as mudanças climáticas, segundo noticiaram os jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”.
Além de o Ministério do Meio Ambiente agir em nome de interesses que não lhe competem, a bancada ruralista avança com pautas antiecológicas no Legislativo: tramitam no Congresso emendas que desfiguram ainda mais o Código Florestal. Tudo em nome de uma suposta necessidade de expansão de nossa fronteira agropecuária. O engodo, porém, é desmentido pelos fatos – tanto que setores da cabeça mais arejada do agronegócio também defendem com unhas e dentes a preservação do meio ambiente. Não é preciso desmatar mais nem um centímetro para aumentar a produção de alimentos no Brasil.
Segundo o programa TerraClass, uma parceria entre a Embrapa e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desde os anos 1980 63% da área desmatada da Amazônia é ocupada por pecuária de baixa produtividade – o que dá um boi por hectare. Cerca de 23% da área que foi desmatada para virar pasto está abandonada. Desmatamos à toa, pois parte está sendo mal utilizada e parte, desocupada. Logo, é preciso investir em produtividade, não derrubar mais árvores. Entre 1991 e 2017 a produção de grãos cresceu 312%, enquanto a área plantada aumentou 61%. Isso só foi possível graças ao investimento em tecnologia. Em São Paulo, por exemplo, de 2000 a 2017 a área de plantio cresceu 122%, basicamente sobre pastagens. Apesar disso, a produção pecuária não diminuiu e a área de florestas cresceu 8%.
Metade das áreas rurais privadas do Brasil estão ocupadas por vegetação nativa. Isso dá 1/3 de toda a cobertura do gênero no Brasil. Os 35% restantes estão nas unidades de conservação e nas terras indígenas. Só que, enquanto nas últimas o desmatamento não chegou a 0,5%, de 1985 a 2017, nas propriedades privadas foi a 20%. Apesar de o desmatamento ter caído na Amazônia entre 2005 e 2012, nos últimos 30 anos foram 70 milhões de hectares perdidos na região. O equivalente a duas Alemanhas ou 7% de toda área de florestas tropicais do planeta. E ele voltou a crescer.
O Observatório do Clima cruzou dados de duas plataformas, o Mapbiomas, o maior levantamento já feito sobre a ocupação do território brasileiro, com dados que vão de 1985 a 2017; e o Atlas da Agropecuária Brasileira, nosso mais completo mapa fundiário. O resultado é o desmascaramento de uma série de falácias que correm por aí. Por exemplo: o de que nenhum outro país protege tanto sua vegetação nativa. Em termos absolutos, isso é até verdade, pois as unidades de conservação somam 92 milhões de hectares e as terras indígenas, 112 milhões. Proporcionalmente, porém, ficamos atrás de países bem menores: o Brasil tem 30% de seu território em áreas protegidas; a Alemanha, 38%; a Grécia, 35%; e a Bulgária 34%. Fora nossas vizinhas Colômbia, Bolívia e Venezuela que preservam por lei 40%; E tirando a Amazônia, só restam 5% de regiões protegidas no resto do país. Biomas como o Cerrado estão seriamente ameaçados.
Proporcionalmente, o Brasil também perde para mais de 20 países em se tratando de cobertura de vegetação nativa: aqui são 67%, enquanto na Guiana são 84%; no Suriname, 98%; na Suécia, 69%; na Finlândia, 73%; e no Japão 68%. Enquanto isso, temos a terceira maior área de produção agropecuária do mundo, ficando atrás apenas de China e EUA: são 245 milhões de hectares, uma vez e meia toda a área de produção da Europa. Somados aos campos naturais, como pantanal e pampa, que são usados como pasto, dá 295 milhões de hectares, que equivale a 34% de nosso território. Mas o Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do mundo, ficando atrás, além de China e EUA, da Índia. Ou seja, estamos aproveitando mal nossa área destinada à agropecuária.
Dentre todos os ataques do Legislativo contra o meio ambiente o mais preocupante é o Projeto de Lei levado ao Senado por Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e Marcio Bittar (MDB-AC). Com apenas três artigos, o PL 2362/2019 pretende acabar com a chamada reserva legal. Hoje, os donos de terra na Amazônia têm a obrigação de preservar 80% de mata nativa em suas propriedades; no Cerrado, a taxa é de 35%; e em campos gerais e outras regiões do país, de 20%. Caso seja aprovado, o PL pode causar o desmatamento de 167 milhões de hectares. A área sob risco equivale 20% do território brasileiro – o que dá três vezes o tamanho da Bahia.
Tramitam também no Congresso 35 emendas que desfiguram ainda mais o Código Florestal e ampliam a anistia para desmatadores. O Ministério Público Federal está fazendo a sua parte: instaurou 1.410 ações contra desmatamentos com 60 hectares ou mais registrados na Amazônia entre 2016 e 2017. Ao todo, 1.831 pessoas ou empresas vão responder na Justiça pela devastação de mais de 156 mil hectares de floresta. As indenizações chegam a R$ 2,515 bilhões.
O mundo também está de olho em nós: em sua edição do dia 2 de abril, o jornal francês “Le Monde” chegou às bancas trazendo denúncias numa reportagem de página inteira: “Apelidado de ‘ministro das empresas de minério’, Ricardo Salles pode contar com o apoio dos lobbies do agronegócio e da indústria de minério, que são influentes no Congresso. Mas atacar o meio ambiente em um país que abriga a Amazônia, terras indígenas internacionalmente conhecidas e uma das maiores biodiversidades do mundo é algo ousado”, diz a publicação.
Caso queira sobreviver, o agronegócio terá que se adaptar aos novos tempos. “Não é verdade, por exemplo, que a China não liga para os modelos de produção dos alimentos que importa. A chinesa Cofco e a trading Wilmar, que dominam o mercado de soja em grão e óleos vegetais do país asiático, por exemplo, assumiram compromissos internacionais de sustentabilidade ambiental, social e econômica que serão seguidos com rigidez”, diz Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), antenado com os novos tempos. Fora que a China já é um dos países que mais reflorestam, enquanto o Brasil ainda é um dos que mais desmatam.
A China foi fundamental para o crescimento do agronegócio brasileiro a partir do início dos anos 2000. Mas há novas exigências no mercado, e não só dos chineses: 60% dos franceses querem saber a origem dos alimentos que compram. Alemães, ingleses e americanos também. A preocupação com o planeta é geral. Não vivemos mais na era dos coronéis e ninguém mais engole conversa pra boi dormir.
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