Ninguém vai poder dizer que foi pego desprevenido. As mudanças climáticas chegaram depois de muito aviso. E não há mais como negar as evidências: os recordes de calor mundo afora, os incêndios cada vez mais frequentes que consomem a Europa e os Estados Unidos, a camada de gelo mais espessa e antiga do Ártico que se rompe e derrete. Agora cabe a nós decidirmos se a visita indesejada vai embora um dia ou não; porque ela pode ter vindo para ficar. O presidente dos EUA Donald Trump continua fingindo que não está acontecendo nada e ofereceu mais facilidades à indústria do carvão – o que pode causar cerca de 1.400 mortes prematuras de americanos por ano até 2030.
Só que nem todos lhe dão trela por lá: das 19 cidades do mundo que assinaram um compromisso por edificações carbono zero a partir de 2030 estão oito americanas, entre elas Los Angeles, Nova York e Washington D.C. E a Califórnia sedia em setembro dois importantes encontros sobre o clima, que antecipam a COP 24, que acontece em dezembro, em Katowice, na Polônia: o Governors’ Climate and Forests Task Force e a Global Climate Action Summit. Uma Gota no Oceano e lideranças indígenas brasileiras participam dos eventos. Quer mandar o seu recado?
As medidas de Trump para beneficiar a indústria do carvão enfraqueceriam consideravelmente o Plano da Energia Limpa, criado pelo ex-presidente Barack Obama. Os americanos podem apelar para o pragmatismo alegando que os investimentos no combate às mudanças climáticas cresceram mais de cinco vezes entre 2014 e 2016, chegando a US$ 1,42 trilhão no país. As energias solar e eólica empregam quase dez vezes mais trabalhadores do que as de carvão, enquanto os investimentos americanos em combustíveis fósseis caíram na mesma proporção, nos últimos anos.
Já sabemos que dificilmente o Brasil cumprirá a sua parte no Acordo de Paris. Mas diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, não podemos simplesmente sair do tratado, já que lá a adesão foi somente uma decisão presidencial (de Obama), enquanto aqui houve a ratificação, por maioria absoluta, do Congresso. Então vamos ficar com fama de caloteiros, mesmo. Segundo o Imazon, o desmatamento aumentou entre agosto de 2017 e julho deste ano 39% em relação ao período anterior. A Amazônia perdeu quase 4 mil quilômetros quadrados, 13 vezes o tamanho de Belo Horizonte. A taxa voltou a crescer depois de uma redução de 20%.
De acordo com um levantamento do projeto Mapbiomas, o país perdeu 71 milhões de hectares de vegetação nativa em 30 anos. Também retrocedemos ao planejar construir novas termelétricas e retirar subsídios da indústria de energia solar. Precisamos nos entrincheirar para barrar novos retrocessos até as próximas eleições – como a já aprovada Medida Provisória que concede subsídios à indústria petrolífera até 2040 – e contra-atacar quando o novo Congresso assumir. As eleições são a nossa chance de eleger representantes mais responsáveis e comprometidos com o bem comum, como é o meio ambiente.
Baseado no último relatório da Sistema de Estimativas de Emissões de Gases (Seeg), nosso parceiro Observatório do Clima traçou dez metas que deveriam nortear o próximo governo no rumo do desenvolvimento sustentável: definição de uma nova governança climática do Brasil que seja orientada pela ciência e os compromissos no contexto do Acordo de Paris; suspensão de propostas e de negociações com setores do Parlamento que possam levar a retrocessos ou flexibilizações na legislação ambiental; revisão dos compromissos do Brasil para alinhá-los às metas do Acordo de Paris para 2025 e 2030, buscando de evitar aquecimento global além de 1,5°C; rediscussão do papel do petróleo na economia brasileira nos próximos 20 anos e das políticas de subsídio para essa fonte fóssil de energia; ampliação do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC) e inclusão de emissões nos critérios do sistema de subsídios federais do setor; aceleração do processo de implementação de mecanismo(s) de precificação de carbono no Brasil, a partir do diálogo entre Governo e sociedade civil; adequação de políticas públicas e planos de desenvolvimento (em infraestrutura, energia, agropecuária e indústria) à Política Nacional sobre Mudança do Clima; aprimoramento da gestão e planejamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima com efetiva participação da sociedade; estabelecimento de uma lei de responsabilidade climática que consolide pactos internos para cumprir as metas assumidas pelo Brasil e as aprofunde; ampliação da agenda climática do país, com direcionamento de recursos para institutos de pesquisa em mudança do clima e fortalecimento de programas locais.
Segundo cientistas da Universidade de Brest, na França, e do Instituto Meteorológico Real Holandês, a temperatura deve subir ainda mais pelo menos até 2022. Um estudo internacional publicado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, concluiu que estamos mais perto de chegar a um ponto sem retorno no que imaginávamos. Isso aconteceria quando o aquecimento da Terra estiver em 2°C acima dos níveis pré-industriais. O planeta já esquentou 1°C em relação àquela época e continua aquecendo 0,17°C a cada dez anos. Cruzar essa linha causaria um efeito dominó catastrófico, que deixaria o planeta em estado permanente de efeito estufa, fazendo a temperatura subir de 4°C a 5°C acima da era pré-industrial, e níveis do mar entre 10 e 60 metros. Regiões do planeta se tornariam inabitáveis. Enquanto a União Europeia já discute a revisão de suas metas climáticas para 2030, com vistas à COP 24, outros atores parecem desconhecer o papel que lhes cabe nesse drama.
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