Se para o indígena a terra é a sua própria existência, para o quilombola, significa liberdade. Assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, a Lei Áurea está fazendo 130 anos. É uma data a ser lembrada para que crimes como a escravatura jamais se repitam; mas para os descendentes dos primeiros quilombolas é somente uma vitória a mais em sua longa história. Seus antepassados já haviam conquistado a liberdade – em muitos casos, já no século XVI. E essa liberdade era a terra em que viviam, os quilombos. Havia africanos de diferentes etnias e regiões no Brasil, e essas comunidades eram formadas por essa diversidade. Um quilombo representa o esforço de muitos povos. Mais do que o tom de sua pele, é essa terra que os define.
Além disso, a liberdade concedida pela Abolição da Escravatura não foi completa. Africanos e afrodescendentes não mereceram nenhuma compensação; ao contrário, a sua inclusão na sociedade foi dificultada. A cidadania plena lhes foi negada. Seus direitos foram conquistados gradualmente, com muita luta. Apenas em 1988, com a atual Constituição, os descendentes dos quilombolas asseguraram oficialmente o direito às terras de seus antepassados, onde nasceram e de onde tiram o seu sustento. Mas, como não raramente acontece no Brasil, a Justiça tarda. Somente 4% dos mais de 1.600 processos de titulação de quilombos em andamento no Incra foram concluídos até hoje. A luta agora é assegurar que esse direito se concretize.
Em 8 de fevereiro deste ano, uma dupla vitória histórica: em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), os quilombolas derrotaram o DEM, partido que havia ajuizado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a regulamentação de seus direitos, e derrubaram a ameaça do “marco temporal” – tese que defende que só teriam direito à terra aqueles que a tivessem ocupando até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Mas há muito a ser feito ainda.
Só a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) representa mais de 3.500 quilombos em todas as regiões do país, e 2.465 já foram reconhecidos pela Fundação Palmares. Entretanto, o orçamento do programa de reconhecimento de áreas quilombolas do Incra encolheu 94% em sete anos. Comunidades quilombolas preservam áreas de floresta e tradições. E não é apenas no campo que despertam cobiça: existem quilombos encravados em grandes cidades, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ameaçados pela especulação imobiliária. A luta contra a discriminação também é incessante. Lamentavelmente, a violência contra os negros vem crescendo tanto nas metrópoles quanto nas áreas rurais – em 2017, 14 quilombolas foram assassinados, o maior número já registrado.
Além disso o Brasil, que há 20 anos vinha sendo considerado exemplo do combate ao trabalho escravo, vem retrocedendo nessa área ultimamente, principalmente por pressão da bancada ruralista. Ninguém é imune à injustiça. Quando o seu vizinho perde um direito, os seus também estão ameaçados. A luta pela liberdade requer o esforço de todos.
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