A 23ª Conferência do Clima (COP 23), que ora se realiza em Bonn, na Alemanha, tinha tudo para ser morna, mas vai acontecer em meio ao calor dos acontecimentos. Espera-se que vá para além de Paris e para lá de Marrakesh, que sediaram as duas últimas, já que às vésperas de sua abertura caiu uma pauta-bomba no colo dos líderes mundiais: a oitava edição do Relatório da ONU Meio Ambiente Sobre a Lacuna de Emissões. O estudo conclui que mesmo se os 195 países signatários do Acordo de Paris zerarem as suas metas, só será feito um terço do necessário para combater as mudanças climáticas. E pede uma revisão imediata.
Nessa pegada, é muito provável que haja aumento da temperatura média global de pelo menos 3°C até 2100. E os verões podem ficar ainda mais quentes caso os Estados Unidos de Trump, contrariando o bom senso e até mesmo estudos do próprio governo, realmente deixem tratado em 2020.
O planeta perdeu o equivalente a uma Nova Zelândia em áreas florestais no ano passado. E perdeu boa parte para o fogo: o aumento de 51% em relação a 2015 se deu, principalmente, por causa de incêndios – de acordo com um relatório da Global Forest Watch, divulgado no fim de outubro. E floresta queimada é mais CO2 na atmosfera. Também em 2016, a concentração mundial de CO2 atingiu o nível mais alto dos últimos 800 mil anos, segundo divulgou a Organização Meteorológica Mundial (OMM) no último dia 30. O aumento nas últimas sete décadas não tem precedentes na História da Humanidade. As concentrações de CO2 estão 145% mais altas do que em níveis pré-industriais (antes de 1750): chegaram a 403,3 partes por milhão em 2016, contra 400 em 2015.
Os efeitos das mudanças climáticas também já afetam nossa saúde. E mais: conforme um estudo internacional publicado em 31 de outubro na revista médica “The Lancet”, elas podem levar a medicina a regredir 50 anos e causar danos irreversíveis. Além das 18 mil pessoas que morrem por dia por causa da poluição, somos afetados de diversas maneiras, mesmo indiretamente. Por exemplo: o aumento de 1°C na temperatura, faz a produção de trigo cair 6% e a de arroz, 10%. Menos comida, mais gente desnutrida. Nas últimas semanas, a COP 23 ganhou mais pano paras as mangas.
Ocaso brasileiro
O Brasil levava como trunfo à conferência a alardeada redução de 16% na taxa de desmatamento este ano – mesmo que todos já saibam que a área desmatada, 6.624 km², ainda é 70% maior do que determina a lei brasileira de clima, que o desmatamento deve cair para 3.900 km² por ano até 2020. Mas, com o incêndio que devastou há semanas o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e deixou ainda mais evidente o seu descaso com a natureza, o país chega à Alemanha com o filme mais queimado do que nunca. Ao cortar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente pela metade, enfraqueceu órgãos como o Ibama, atingindo diretamente o trabalho de fiscalização contra invasões e prevenção e combate a incêndios.
O novo 7 x 1 se sacramentou com o lançamento do novo relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Segundo a pesquisa, o Brasil realizou a façanha de se tornar a única grande economia do mundo a aumentar o nível de poluição sem crescer. Emitimos 8,9% a mais de gases do efeito estufa em 2016 do que em 2015. É o nível mais alto desde 2008, o que nos garante a sétima posição entre os maiores poluidores do planeta. Este crescimento se deveu à alta de 27% no desmatamento na Amazônia em 2016, mas o agronegócio é o seu principal motor, respondendo por 74% das emissões. Se fosse um país, o setor seria o oitavo maior poluidor do mundo, à frente do Japão.
O agronegócio é também o segmento que mais atua no sentido de restringir demarcações, invadir e extinguir terras indígenas e quilombolas – que são comprovadamente barreiras verdes ao desmatamento e, por consequência, fundamentais para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Além disso, o Brasil foi, ao lado da Indonésia, o país que mais perdeu cobertura florestal em 2016. Enquanto China e Europa dão uma guinada para a economia sustentável, em agosto rescindimos o contrato para a construção de 16 parques eólicos e nove usinas solares, que gerariam 557 megawatts de energia limpa, para investir em termelétricas e combustíveis fósseis. Quer dizer, investir não é bem o termo, pois está prestes a ser votada no Congresso uma MP que dará de presente à indústria de petróleo nada menos do que R$ 1 trilhão em subsídios.
Soluções à vista e a prazo
Apesar dos pesares, políticos e especialistas não vão começar do zero em busca de saídas. Mesmo que faça projeções sombrias, o relatório da ONU Meio Ambiente traz soluções concretas e baratas. Nas áreas de agropecuária, construção civil, geração de energia, indústria, transporte e silvicultura, investimentos em tecnologia poderiam reduzir a emissão de 36 giga toneladas de CO2 por ano até 2030. E os custos seriam realmente pequenos — menos de US$ 100 por tonelada de CO2 não liberada. Mas é preciso começar essa transição em dois anos – ou seja, é para ontem. É preciso vontade política e fazer pressão. Os alemães sabem disso e mostraram do que são capazes em Hamburgo, no encontro do G20 no ano passado. As manifestações no país já começaram e está agendada para o dia 11, em Bonn, a principal delas, puxada por um coletivo de movimentos e organizações.
Foto: Wolfgang Rattay/Reuters
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