O campo está minado. Manifestações como as que vêm acontecendo no sudoeste do Pará, como os bloqueios na BR-163 que culminaram com o incêndio de veículos do Ibama em Cachoeira da Serra, podem se multiplicar. Elas são fruto da política ambiental do governo, que, além de causar conflitos, tem feito o país perder dinheiro. O corte da Noruega no Fundo Amazônia pode ter sido só o começo.
O termo “insegurança jurídica” foi usado pelo ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, quando do anúncio dos vetos do presidente Temer às Medidas Provisórias 756 e 758. Elas incidiam diretamente sobre os limites da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim e foram consideradas inconstitucionais pelo Ministério Público. A MP 756 foi devolvida ao Congresso, para que volte na forma de Projeto de Lei. Essa “insegurança jurídica”, na verdade, é causada pelo próprio governo, quando faz esse tipo de manobra.
A redução da Flona do Jamanxim é reivindicada pela bancada ruralista com o objetivo de regularizar terras públicas invadidas na região. Também aprovada pela Câmara e igualmente questionada pelo Ministério Público, a MP 759 (a MP da Grilagem) vai além, pois dita novas regras para regularização fundiária urbana e rural. Na prática, ela vai facilitar a legalização de terras invadidas. Seria uma espécie de devastação premiada. As manifestações no sudoeste paraense são justamente para pressionar o governo para a aprovação dessas medidas. Precisamos reagir.
Mais desmatamento, menos dinheiro
Os últimos dados do Prodes, programa que monitora via satélite o desmatamento da Amazônia, apontam que a velocidade de destruição da floresta cresceu cerca de 30% de agosto de 2015 a julho de 2016. É a maior extensão desmatada desde 2008 na Amazônia Legal. Boa parte desse crescimento se concentra nos estados de Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. E a porcentagem de desmatamento em áreas (teoricamente) protegidas dobrou desde 2008, e hoje atinge a 12%.
Os veículos incendiados certamente farão muita falta ao combalido Ibama, que perdeu 30% do seu orçamento de 2015 para 2016. E a tendência é que esses recursos minguem ainda mais. A Noruega era o maior doador ao Fundo da Amazônia (que financia o combate ao desmatamento) e já havia destinado ao Brasil US$ 1,1 bilhão entre 2009 e 2016. O corte de quase R$ 200 milhões atingirá diretamente programas de preservação.
A Alemanha anunciou que também pensa em sanções. E o ministro francês da Transição Ecológica, Nicolas Hulot, incluiu o bloqueio da importação de produtos florestais ou agrícolas que contribuam para o desmatamento no mundo, principalmente na Amazônia, no sudeste da Ásia e no Congo em seu plano para o clima para os próximos cinco anos. Entre os principais itens estão o óleo de soja, o ouro verde dos ruralistas. Ou seja: no fim, o prejuízo será rateado por todos.
O que pode ser feito?
A solução mais barata e eficaz para deter o desmatamento e levar a paz ao campo, acabando com a tal “insegurança jurídica”, é a demarcação de Terras Indígenas e Quilombolas, mesmo com o pagamento de indenizações a eventuais removidos. E a proteção às Unidades de Conservação, como as Flonas e os Parques Nacionais. Outra opção é remunerar quem preserva a floresta. Sistemas deste tipo já funcionam bem em países como Costa Rica, que paga produtores rurais para abandonarem a prática da pecuária extensiva.
No Brasil, embora o Código Florestal de 2012 preveja esse mecanismo, ainda não há regulamentação nacional. Hoje, apenas alguns estados, como o Pará, adotam programas desse tipo. Outro mecanismo que poderia financiar a manutenção de áreas de floresta no país é o REDD+. Desenvolvido durante as conferências do clima da ONU, o conceito propõe a compra de créditos de carbono, seja por governos ou empresas, poupados por florestas em regiões ameaçadas pelo desmatamento. Mas como não existem ainda regras que guiem a implantação do programa no Brasil, as iniciativas são voluntárias e pontuais. O Acre é o único estado estabelecer um programa de REDD+. E pela queda de 75% no desmatamento desde 2004, já recebeu R$ 100 milhões do banco de desenvolvimento alemão, o KFW. Em economês: floresta preservada é um passivo; destruí-la é prejuízo na certa.
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