A Emenda de Kigali saiu melhor que o soneto. Ela incide sobre o Protocolo de Montreal, o mais bem-sucedido acordo ambiental internacional e lhe dá mais um propósito. O tratado, firmado em 1987 na cidade canadense, está restaurando a camada de ozônio do planeta e pode ajudar a conter as mudanças climáticas. Kigali pode nos dar um refresco de 0,5°C a menos até o fim do século – além de gerar empregos e economia de energia. Esperam-se avanços modestos na Conferência do Clima da ONU 2019 (COP-25), que ora se realiza em Madri, na Espanha. É preciso buscar alternativas.
Funciona assim: o ar-condicionado que esfria a sua casa ou local de trabalho ajuda a esquentar o planeta – seja pelo consumo de eletricidade, seja por emissões de hidrofluorcarbonetos (HFCs). Esses gases do efeito estufa, usados em equipamentos de refrigeração, são até duas mil vezes mais potentes do que o CO₂. Mas como se dissipam mais rapidamente na atmosfera, os efeitos seriam mais imediatos. A emenda determina que seus signatários reduzam gradativamente o uso de HFCs. Ela foi assinada em 2016, em Ruanda, e entrou em vigor em janeiro deste ano. Mas o Brasil não está entre os 89 países que a ratificaram. Esta tarefa é do Congresso.
A Emenda de Kigali também mira na redução do consumo de energia – diminuindo, assim, a necessidade de construção de novas unidades de geração. Por isso incentiva o investimento em tecnologias que aumentam a eficiência energética de equipamentos de refrigeração. No Brasil, a economia de energia pode chegar a 39,3 TWh até 2035, o equivalente a consumida por 11,9 milhões de residências. Para o consumidor ela vai significar R$ 152 bilhões a menos na conta de luz entre 2021 e 2035. Com a ratificação da Emenda de Kigali, o país poderá usar recursos do Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal (MLF) na modernização de seu parque industrial. E pode dar um passo bem largo adiante.
O Brasil está em vigésimo lugar no ranking de eficiência energética entre os 25 países que mais consomem energia no mundo. Itália e Alemanha estão empatados em primeiro lugar, com 75,5 pontos de 100 possíveis, seguidos por França, Reino Unido e Japão. Os dados são da edição de 2108 do International Energy Efficiency Scorecard, do American Council for an Energy-Efficient Economy (ACEEE). Enquanto a Alemanha investe mais de US$ 2,5 bilhões por ano em eficiência energética (US$ 31 per capita) e a Itália, mais de US$ 1,5 bilhão (US$ 25), o Brasil destina só US$ 191 milhões (US$ 0,94).
Com o aumento da temperatura, o setor de refrigeração vem crescendo na mesma proporção. Para se ter uma ideia, o aumento do consumo geral de eletricidade no Brasil foi de 61%, enquanto no uso em aparelhos de ar condicionado em residências aumentou 237%. No ano passado, o Comitê Gestor de Indicadores de Eficiência Energética (CGIEE) propôs uma nova regulamentação para o setor. Mas ainda estamos a anos-luz dos padrões mínimos de eficiência energética exigidos por países como Canadá, Coreia do Sul, Japão, China e México.
O Lawrence Berkeley National Lab, do Departamento de Energia dos EUA, calculou que, no Brasil, uma melhoria de 30% nos índices de eficiência energética significaria a redução de 23% das emissões de gases do efeito estufa pelo setor até 2050 – e nos ajudaria a cumprir as metas do Acordo de Paris. Precisamos preservar a floresta, mas também falar sério sobre desenvolvimento sustentável. Além de ratificar urgentemente a Emenda de Kigali, o Congresso tem o dever de propor novas soluções.
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