O governo atual encarou o maior desastre ambiental de nossa História logo no início do seu mandato. Foi como se tivesse pisado numa mina terrestre de guerras passadas. Ele não teve culpa alguma pelo rompimento de uma barragem de rejeitos tóxicos da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, que foi causado por décadas de crimes e descaso que antecederam sua chegada. Mas, em vez de lhe servir de lição de preservação e prevenção, o acidente parece ter sido usado de base para a elaboração de uma espécie de manual sobre como destruir o verde. E saiu plantando mais minas. É uma política ambiental movida ao que há de errado: afrouxamento na legislação, omissão e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização, que são um convite à corrupção. Vejam a última do ministro do Meio Ambiente. Condenado pela Justiça de São Paulo por falsificar mapas da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016, quando era secretário estadual, ele agora pretende extinguir as regras que protegem manguezais e restingas.
Esse guia é seguido nos mais diversos setores ambientais. No caso da decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), especialmente desfigurado pelo ministro para essas ocasiões, os interesses são diversos. O mais óbvio é o dos setores imobiliário e turístico, pois criar uma “Cancún brasileira” é uma obsessão pessoal do presidente – e o Conama também optou por liberar construções em áreas localizadas no entorno de represas artificiais, que também beneficia esses negócios. Mas há outros menos evidentes, como a criação de camarão (carcinicultura), um negócio que rendeu R$ 1,1 bilhão em 2019. Sozinha, esta modalidade de “agronegócio marinho” é responsável pela destruição de metade dos manguezais brasileiros. Já o terrestre seria teoricamente beneficiado pela revogação da exigência de licenciamento ambiental para projetos de irrigação – a água desviada clandestinamente por agricultores é justamente um dos maiores flagelos que assolam o São Francisco. Cerca de 14,2 milhões de brasileiros dependem diretamente das águas do “rio da integração nacional”, cuja bacia banha sete estados e o Distrito Federal.
Voltemos ao exemplo de Brumadinho. Era de se esperar que o governo – que, por sinal, agiu com rapidez no dia do acidente – redobrasse a atenção para esse tipo de estrutura. Mas o Relatório de Segurança de Barragens 2019, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), diz o contrário, já que houve um aumento de 129% no número de barragens em condições críticas no Brasil em relação a 2018 – crescendo de 68 para 156, em 22 estados. A maioria delas (63%) pertence à iniciativa privada. Aqui, as maiores interessadas são as más empresas ligadas à mineração, mananciais de propina. Justamente quem sairia ganhando com a fraude na Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê.
E o futuro aponta para mais insegurança ainda: recém-aprovada, a nova lei que regula a Política Nacional de Segurança de Barragens excluiu a exigência de que os planos de emergência das empresas fossem examinados pelas agências reguladoras. Caso o plano de emergência que a empresa alemã Tüv Süd apresentou à Vale para a barragem da mina do Córrego do Feijão fosse analisado antes, o pior poderia ter sido evitado. O mais provável é que fossem exigidas mudanças no projeto, uma vez que estudos prévios já apontavam falhas – como, por exemplo, que os rejeitos chegariam até o refeitório dos trabalhadores em um minuto ou menos e que as rotas de fuga seriam alcançadas em até cinco minutos.
Só em Minas Gerais, a Agência Nacional de Mineração (ANM) tem 360 barragens para fiscalizar. Quatro dessas estruturas correm risco de rompimento iminente, o mesmo número de fiscais que o órgão tem para dar conta do trabalho em todo o estado no momento. São 30 fiscais para cuidar de 841 barragens de mineração em todo o país e o Ministério da Economia ainda determinou um corte de 9% no orçamento da ANM, que passaria dos atuais R$ 67,5 para R$ 61,4 em 2021. Assim como o Ibama, a agência está sendo enfraquecida enquanto a boiada passa. É mais uma instrução do manual sendo seguida. Os 19 mortos em Mariana e os 270 de Brumadinho merecem mais respeito.
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