Não é só uma febrezinha: Brasília está pegando fogo e as chamas vão se espalhar pela Amazônia. As demissões dos ministros da Saúde e da Justiça podem atiçar ainda mais a temporada de queimadas da região este ano, já prevista como catastrófica. No diagnóstico político atual, o avanço novo coronavírus e os incêndios florestais são sintomas dos mesmos males. Se os antigos titulares das pastas cometeram erros de avaliação – Henrique Mandetta acreditava a Região Norte exigiria menos atenção – ou fizeram vistas grossas para a destruição – como no caso de Sérgio “Eu não tenho interesse de ficar com a Funai” Moro – o governo não sinaliza uma correção de rumos com os critérios usados na escolha de seus substitutos. E sua aproximação com o chamado Centrão – grupo que reúne parlamentares de diversos partidos movidos pela conveniência – tornam ainda mais preocupantes os prognósticos.
A proliferação da Covid-19 e o aumento recorde do desmatamento na região têm se alimentado de um ciclo vicioso: um ajuda o outro a crescer. Entre 1º de agosto de ano passado a 31 de março deste ano a Amazônia perdeu 5.260 km²; no mesmo período entre 2018 e 2019 esta perda foi 2.661 km², uma alta de 97%. O monitoramento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou uma alta de 51% destruição da floresta no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período em 2018 – foram cortados 796 km² entre 1º de janeiro e 31 de março neste ano, contra 526 km² em 2019. Metade dessa destruição aconteceu em terras públicas – ou seja, nossas.
Segundo uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), sobre os alertas do sistema Deter, do Inpe, publicada no último dia 22, este aumento constante no desmatamento e o grande volume de áreas desmatadas em 2019 que não foi queimado seriam, por si sós, uma mistura altamente inflamável para causar incêndios ainda maiores do que os de agosto do ano passado – que devastaram uma área de 29.944 km². Isso aconteceria em meio à pandemia do novo coronavírus, que castiga severamente cidades como Manaus e Belém, e a fumaça ainda ajudaria a piorar os problemas respiratórios da população. Mas estão jogando mais lenha na fogueira.
Os povos indígenas estão seguindo as recomendações de isolamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde e não saem de suas aldeias; por outro lado, o governo tem punido quem faz o seu trabalho. Como aconteceu com como Olivaldi Alves Borges Azevedo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, que comandou uma ação contra o garimpo ilegal em terras indígenas e foi exonerado. Não custa lembrar que num encontro com investidores na Arábia Saudita, em outubro de 2019, o presidente admitiu que “potencializou” as queimadas na Amazônia por discordar da política ambiental de governos anteriores. Garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros entendem essas ações como incentivo: eles ignoram a quarentena e invadem terras indígenas e unidades de conservação. Acabam levando a devastação e a doença mata adentro. Os povos da floresta, que poderiam ajudar a evitar essa destruição, mas além de acossados pela Covid-19 podem ser encurralados pelas chamas.
Mais gasolina contra o fogo: com data de validade próxima da expiração – no dia 17 de maio – a Medida Provisória 910/2019 foi pautada em regime de urgência e pode ser votada a qualquer momento. A chamada MP da Grilagem permite que terras públicas invadidas – o equivalente a 16,5 km² na Amazônia – virem propriedade de quem as ocupou irregularmente. E pela nova regra, o processo pode ser feito por autodeclaração, sem a necessidade de vistoria. É como se o governo dissesse que o crime compensa. O Estado brasileiro inspira cuidados.
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