Os primeiros estudos sobre o potencial hidrelétrico da Bacia do Tapajós datam de 1986, no governo José Sarney. Em 6 de novembro de 2009, em carta dirigida ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o povo Munduruku rechaçou completamente a ideia de construir barragens no rio: “Onde vamos morar? No fundo do rio ou em cima da árvore? Aximãyugu oceju tibibe ocedop am. Nem wasuyu, taweyugu dak taypa jeje ocedop am”. (“Não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores”). Os Munduruku se autodenominam Wuy jugu, “Nós, as pessoas”.
E esse espírito continua vivo: “A gente não negocia território, porque a gente não negocia a vida de nossos filhos e nem de nossos antepassados”, diz Alessandra Korap, vencedora do Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos, em 2020. A liderança Munduruku lembrou que o problema não é só de seu povo: “Todos que vivem na Bacia do Tapajós podem ser prejudicados. O que aconteceu em Alter do Chão foi causado pelo garimpo no Jamanxim”, conta ela, referindo-se à lama que turvou as águas do balneário do Tapajós, vinda de um afluente a 300 km de distância, no fim do mês passado.
Mais de 15 mil Munduruku vivem em cerca de cem aldeias na região que já foi conhecida como Mundurukânia. Eles têm o direito constitucional de preservar o seu modo de vida tradicional, e este é totalmente baseado na ordem natural do rio. “Parece que somos só nós que bebemos água”, provoca Alessandra. De que adianta ter a maior reserva de água doce do planeta, o seu bem mais valioso, e tratá-la como esgoto? É ano de eleição. Por que nós, todas as pessoas, não exigimos de nossos candidatos à Presidência que se comprometam a enterrar de vez esse projeto? Tapajós livre! Cada eleitor é uma gota e cada gota conta.
A ideia de transformar a Amazônia numa central de energia vem dos tempos da ditadura. De lá para cá ela assombra a população que vive às margens de seus rios – e nenhum governo do pós-redemocratização a exorcizou definitivamente. Nem mesmo o cadáver insepulto de Belo Monte foi capaz. No fim de janeiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu mais uma colher de chá de dois anos à Eletrobras, para que apresente novos estudos de viabilidade técnica e econômica para a construção de três grandes hidrelétricas na bacia do Tapajós. Só que esse prazo vem sendo sistematicamente prorrogado desde 2009, pois os anteriores sempre são reprovados. É como um pênalti que o juiz manda repetir até a bola entrar.
Em nome de quê? Ou de quem? O Rio Tapajós é o último grande afluente da margem direita do Amazonas a correr livre e o seu entorno, uma das áreas mais preservadas – e, portanto, valiosas – da Amazônia. Recentemente, outro elemento foi adicionado à trama: também no fim de janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizou que deve dar sua bênção à privatização da Eletrobras. Assim não há como espantar essa pulga de trás da orelha.
De acordo com a – até segunda ordem – estatal, a Usina de Jamanxim teria uma potência de 881 mil kW; a de Cachoeira do Caí, 802 mil kW; e a de Cachoeira dos Patos, 528 mil kW. As três juntas atenderiam 5,5 milhões de famílias. A capacidade alardeada de Belo Monte é de 11.233 MW por mês, o suficiente para abastecer 60 milhões de pessoas; mas, no mundo real, a média mensal é de 4.571 MW. Quem compraria este carro usado?
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