Sucedeu-se assim: em 1500, os portugueses deram por cá e tomaram posse de Pindorama em nome de El-Rei e a rebatizaram, sem pedir a opinião de seus habitantes. Passados 517 anos, a vontade dos povos indígenas continua sendo ignorada e a violência contra eles, seja física, psicológica ou institucional, segue como prática habitual. A esta altura, era de se esperar que os não-índios já estivessem mais civilizados. Mas ainda agimos como bárbaros do século XVI.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou este mês o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016”, onde se confirma a tendência de que os retrocessos legais dos últimos anos têm se refletido em mais conflitos: foram registrados 118 assassinatos de indígenas no país no ano passado. Um caso emblemático foi a morte do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, em junho, numa emboscada contra a comunidade Tey i Kue, do povo Guarani-Kaiowá, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. A violência também se manifesta de outras formas: 735 crianças menores de 5 anos morreram por falta de assistência e desnutrição grave, e 106 indígenas se suicidaram. Este ano, tudo indica que as estatísticas devem engrossar, com o ataque ao Gamela, no Maranhão, em maio, e o ainda não esclarecido massacre de indígenas isolados na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no Amazonas, entre outros casos.
O Cimi também fez um levantamento no qual constatou que hoje tramitam na Câmara Federal e no Senado 33 propostas, reunindo mais de 100 projetos, que ameaçam os direitos indígenas. Destas, 17 propõem alterações nos processos de demarcações de TIs. Oito delas suspendem portarias declaratórias e seis transferem do Executivo para o Congresso Nacional a competência de demarcar TIs, como a famigerada PEC 2015. As demais autorizam o arrendamento em de terras regularizadas, impedem a desapropriação para demarcações e determinam indenização para invasores que ocuparam TIs depois de 2013. O Brasil acaba de ser repreendido por ter faltado às audiências temáticas sobre questões indígenas e quilombolas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foram realizadas segunda-feira (22/10), em Montevidéu, no Uruguai.
Além de não haver um único representante indígena no Congresso Nacional, a bancada ruralista, a maior interessada em suas terras, ocupa 40% das cadeiras daquele casa. Não basta estar do lado mais fraco da corda: o oponente ainda conta com o reforço da máquina do governo federal, já que Temer deve a ele sua sobrevida na Presidência. Mas se engana quem acha que só os indígenas estão sob ataque: uma pesquisa da Agência Pública mostra que além deles, quilombolas e trabalhadores estão entre os que mais perderam direitos constitucionais no atual governo. Saúde, educação e meio ambiente também foram afetados. Ou seja, sobrou para todo mundo. Vamos ajudar os indígenas a equilibrarem as forças nessa cabo-de-guerra?
Saiba mais:
Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016
Congresso anti-indígena: 33 propostas, reunindo mais de 100 projetos, ameaçam direitos indígenas