Em fevereiro deste ano, um pequeno roedor marrom, o Melomys rublicola, foi declarado oficialmente o primeiro mamífero do planeta a ser extinto por causa das mudanças climáticas. O ratinho era endêmico da Ilha de Bramble, que fica entre a Austrália e a Papua-Nova Guiné. Ele desapareceu quando o seu habitat foi engolido pelas águas, devido o aumento do nível do mar. No mês passado, foram as girafas que entraram para a lista de espécies ameaçadas: de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), sua população foi reduzida em aproximadamente 40%, de 1985 a 2016. Ainda segundo a UICN, nove espécies de mamíferos podem sumir da face da Terra este ano: o rinoceronte-branco-do-norte, o tigre chinês, o leopardo amur, o gorila-das-montanhas, a saola, o rinoceronte preto, a vaquita e o lobo vermelho.
Quem será a próxima vítima?
É bem capaz de o ser humano entrar na lista. Ou alguém acredita que somos capazes de sobreviver a essa catástrofe?
O planeta caminha para a sua sexta extinção em massa e a causa desta vez não é de um meteoro, como o que dizimou os dinossauros, ou algum cataclismo natural: por trás dela está a atividade humana. De acordo com um alarmante relatório divulgado pela ONU, das 8 milhões de espécies de plantas e animais que existem, de 500 mil a 1 milhão estão ameaçadas de desaparecer. O desenvolvimento insustentável comanda a destruição, pois traz a reboque a exploração inconsequente do solo e dos mares, as mudanças climáticas, a poluição e as espécies invasoras – como o próprio mosquito Aedes aegypti, uma praga que saiu do Egito para infernizar o mundo inteiro.
Mas o estrago vem de longe: desde 1900, a média de espécies nativas na maioria dos principais biomas da Terra diminuiu pelo menos 20%, e ao menos 680 espécies de vertebrados foram extintas desde o século 16. Entretanto, nos últimos 40 anos cresceu consideravelmente o número total de espécies ameaçadas de extinção: hoje, mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e 1/3 de dos mamíferos marinhos e tubarões estão ameaçados. “A velocidade de extinção é centenas de vezes maior que a natural”, afirma Paul Leadley, professor da Université Paris-Sud in Orsay e diretor do laboratório Ecology, Systematics and Evolution.
Leadley é um dos autores do relatório da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) da ONU. O levantamento foi elaborado por 145 especialistas e 310 colaboradores de 50 países, com base em cerca de 15 mil artigos científicos, e é o mais completo já produzido sobre o tema. Segundo o documento, de 1980 para cá as emissões de CO₂ dobraram, fazendo a temperatura do planeta aumentar cerca de 0,7 º C, por exemplo. “Pela primeira vez, a gente tem uma fotografia do processo de mudança ambiental do planeta”, diz Eduardo Brondizio, professor de Antropologia da Universidade de Indiana e pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais da Unicamp, um dos coordenadores do relatório da IPBES.
Outros dados relevantes: aproximadamente 25% das emissões de gases de efeito estufa são causadas pelo desmatamento e pela produção agrícola, e a pesca industrial já domina mais de 55% do oceano. Além disso, houve um aumento de 10 vezes na poluição por plásticos desde 1980, e fertilizantes e outros insumos agrícolas que chegam à costa, levados pelas águas contaminadas dos rios, já criaram mais de 400 “zonas mortas” oceânicas. Estas cobrem 245 mil km², uma área maior do que a do Reino Unido.
Calcula-se que quase 1/3 da área florestal da Terra tenha ido abaixo depois da Revolução Industrial; e a partir de 1970, o desmatamento aumentou 45%. “Ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais e raças de plantas e animais domesticados estão diminuindo, deteriorando-se ou desaparecendo. A rede essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e cada vez mais desgastada”, diz Josef Settele, pesquisador do centro de pesquisa ambiental alemão Helmholtz, que também participou do projeto.
Segundo Eduardo Brondizio, ainda é possível evitar o pior, mas é preciso contar com o conhecimento dos povos tradicionais: “Eles manejam grandes bacias hidrográficas e ecossistemas, com implicações em pontos muito distantes daqueles onde vivem. Contribuem para a qualidade da água e para a diversidade de habitats, lideram o esforço por reflorestamento e monitoram atividades ilegais”, explica. “Estamos em um momento crítico, não só não reconhecendo populações indígenas como, em alguns casos, condenando seu modo de vida. Esquecemos o potencial do conhecimento local”, completa.
Enquanto o parlamento de países como Reino Unido e Irlanda declaram “emergência climática”, anunciando planos de ação em setores como aquecimento, transporte, indústria e agricultura, para intensificar a resposta às mudanças climáticas e reduzir a emissão de gases, e o chamado G7 do Meio Ambiente (França, Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Japão e Reino Unido) se reúne para discutir medidas concretas contra o combate ao desmatamento e à a poluição por plásticos, a adoção de sistemas de refrigeração limpos e a proteção de recifes de corais, o Brasil continua no caminho inverso.
O governo acaba de anunciar a revisão das 334 áreas de proteção ambiental e uma deputada ruralista pede a extinção do Parque Nacional dos Campos Gerais, criado em 2006 para proteger, principalmente, a araucária, árvore que é símbolo do Paraná. Segundo um estudo desenvolvido pelas universidades Federal de Santa Catarina (UFSC), do estado de Santa Catarina (Udesc) e de São Paulo (USP), a araucária já quase tinha desaparecido há 2 mil anos. Quem a teria salvado da extinção foram justamente os povos pré-colombianos que habitavam a região na época, promovendo o seu replantio.
A perda da biodiversidade “é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça direta ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo”, alerta o pesquisador Josef Settele. É bom o bicho homem abrir o olho, pois a fila da extinção anda e ele pode estar antes do seu fim.
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