Olhamos para o espaço à procura de água em outros planetas, mas cuidamos muito mal da que temos aqui. Um estudo internacional liderado pela Universidade de Stanford, nos EUA, e recém-publicado na revista “Science” trouxe um dado alarmante: até 2050 nada menos do que 4,45 bilhões de pessoas poderão enfrentar problemas por causa da qualidade da água – tanto a de rios e lagos quanto a do mar. Essa crise será causada pela deterioração do meio ambiente e este número dá quase três vezes a população da China. Quantas dessas pessoas serão brasileiras?
Somos donos da maior reserva de água doce do mundo mas, literalmente, não temos tratado bem dela. De acordo com o Instituto Trata Brasil, ainda há quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada, quase 100 milhões sem coleta de esgoto – ou 47,6% da população – e, mesmo assim, 52% desse esgoto coletado é despejado sem tratamento na natureza. Esses números equivalem a deixar Colômbia, Argentina e Chile sem rede de esgoto e o Canadá sem água tratada. E o saneamento básico universal é um sonho cada vez mais distante.
Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), o país tem mais de 83 mil km de rios poluídos. E a situação tem se agravado. Além de lidarmos com catástrofes do tamanho de Mariana, Brumadinho e das manchas de óleo no litoral do Nordeste, temos envenenado nossas águas lentamente. O trecho morto do Tietê, maior rio de São Paulo, por exemplo, chegou a 163 km este ano, um aumento de 33,6% em relação a 2018. As projeções são que o país vai atrasar em 30 anos a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, que previa que isso acontecesse até 2033. O cálculo é do Trata Brasil e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Poluímos a água mais rápido do que tratamos dela; ou damos passo de caranguejo, para o lado: o percentual da população sem acesso ao saneamento básico caiu de 18,6% em 2008 para 16,5% em 2018; mas o número de atingidos permaneceu em 35 milhões. Nesse andar, vamos continuar não chegando a lugar nenhum: de acordo com um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), quase 60% das obras de infraestrutura paradas no país são de saneamento básico. Os valores envolvidos dão a dimensão do pouco-caso com algo tão importante. São 718 projetos parados no total, sendo a maioria, 429, de saneamento. Mas só R$ 10 bilhões foram destinados a obras de tratamento de água e de esgoto contra R$ 109,1 bilhões para as demais. Não se pode nem falar de economia.
E o dinheiro para o setor vai ficar ainda mais minguado. O governo federal previu um corte de 21% nos recursos para saneamento básico em 2020. Os investimentos vão cair de R$ 835,5 milhões para R$ 661 milhões. Tanta negligência em nome de quê?