Nada tem sido fácil para os quilombolas, mas não se cai fácil quando se tem dignidade e a causa é justa. Com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo, eles partiram para mais um round de sua longa luta, disputada no Supremo Tribunal Federal. Nesta quinta-feira, dia 8, foi retomado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, ajuizada em 2004 por um único partido, o Democratas (DEM), contra o Decreto 4887/2003, que regulamenta o direito às suas terras. E a vitória foi de goleada: 10 x 1.
O julgamento vinha se arrastando desde 2012, com sucessivos adiamentos. Mas o que são cinco anos perto dos 100 que separam a Abolição da promulgação da Constituição de 1988, que diz “aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”, admitindo, finalmente, o direito às terras de seus ancestrais? Ou a morosidade que tem marcado os processos de demarcação? Uma das maiores riquezas do Brasil é a sua diversidade cultural. Como poderíamos abrir mão de uma cultura tão bonita quanto a quilombola?
Apenas 4% dos mais de 1.600 processos de titulação de terras quilombolas em andamento no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram concluídos. Além de o programa de reconhecimento de áreas quilombolas ser feito a passo de tartaruga, o seu orçamento encolheu 94% em sete anos, despencando de R$ 64 milhões em 2010 para R$ 4 milhões em 2017.
A ADI 3.239 foi levada ao STF em 25 de junho de 2004, pelo DEM, quando ainda se chamava Partido da Frente Liberal (PFL). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 poderia paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas e, ainda mais grave, anularia as terras já tituladas.
O placar do julgamento estava em 2 x 1. Em 2012, o relator, Cezar Peluso, que já se aposentou, foi favorável à ação. Três anos depois, a ministra Rosa Weber apresentou voto contrário à ADI. A ação só voltou a ser apreciada em novembro do ano passado, quando o ministro Dias Toffoli deu ganho de causa aos quilombolas, mas defendeu a necessidade de se estabelecer uma data limite para a titulação: o famigerado “marco temporal”. Em seguida, seu colega Edson Fachin pediu vistas do processo.
Segundo a tese do “marco temporal”, só teriam direito a terras aquelas comunidades que as estavam ocupando em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. Essa tese, entretanto, ignora o fato de que nessa data muitos quilombolas já haviam sido expulsos de suas terras por invasores e não teriam como provar sua posse. Por isso, o ministro Ricardo Lewandowski o considerou “prova diabólica”, por ser difícil ou impossível de ser cumprida. O dia 8 de fevereiro de 2018 entra definitivamente para a história quilombolas. Nenhum quilombo a menos!
Saiba mais:
Ação contra quilombos a ser julgada pelo STF foi ‘equívoco do passado’, diz presidente do DEM
O Supremo e a titulação dos quilombos
Por que é preciso rebater a tese do marco temporal?
Ação contra quilombos a ser julgada pelo STF foi ‘equívoco do passado’, diz presidente do DEM
Quilombolas comemoram vitória histórica em julgamento de ADI
STF mantém regras para demarcação de quilombos e rejeita ‘marco temporal’
STF mantém validade de decreto que regula demarcação de terras quilombolas
STF decide pela constitucionalidade de decreto que regulamentou quilombos
STF garante posse de terras às comunidades quilombolas
STF considera constitucional decreto que trata do reconhecimento de terras quilombolas
Vitória quilombola no STF: decisão histórica ajuda a enterrar tese do marco temporal
E leia o artigo “A missão quilombola”, de Sandra Maria Andrade, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), publicado no jornal “O Globo”
[huge_it_videogallery id=”20″]