O bicho está pegando até para os bichos. Para sorte deles, porém, a Mãe Natureza não é negacionista. Conforme ensinou Charles Darwin em “A origem das espécies”, os animais podem estar começando a se adaptar aos novos – e quentes – tempos. Segundo um estudo da Universidade Deakin, na Austrália, seus bicos, membros e ouvidos estão ficando maiores, para ajudá-los a encarar as mudanças climáticas. É uma forma de regular a temperatura do corpo: elefantes africanos e jumentos nordestinos bombeiam mais sangue para suas orelhas e as balançam para dissipar o calor, e o tucano não é bicudo à toa. É a evolução dando o ar da graça, bicho.
Quem fez primeiro essa correlação foi o zoólogo americano Joel Allen, ainda nos anos 1870. Não é tão difícil de entender como funciona: quando faz frio, a gente se encolhe; no calor, abrimos os braços para colher a mais leve brisa. É claro que os animais ditos irracionais têm outros problemas tão graves quanto o calor para lidar por causa da enrascada em que os metemos. Por exemplo, eles ainda não evoluíram ao ponto de se tornarem à prova de fogo. No ano passado, os incêndios na Austrália deixaram mais de um bilhão de bichos mortos; também em 2020, 17 milhões morreram no Pantanal; e em agosto último, 20 milhões, na Itália. Uma tragédia sem tamanho.
E essa balbúrdia não está afetando apenas nossos vizinhos de planeta, evidentemente. A queda da população animal e da cobertura vegetal nos diz respeito igualmente – embora a gente finja que não – e começamos a sentir na pele os seus efeitos também. Mas o que tem feito de concreto a respeito disso o autodenominado homo sapiens, que se arvorou senhor do mundo? “Se você parar para pensar, as duas pessoas mais ricas da Terra estão tentando sair dela e não consertá-la”, escreveu um gênio anônimo da internet, referindo-se à corrida espacial particular de Joseph Bezos e Elon Musk. Já os mais pobres sequer podem sonhar em se tornarem heróis de ficção científica.
A maioria não tem para onde correr, além de um lado para o outro do planeta. E, assim, foi criada mais uma categoria de migrantes, os refugiados do clima. O Banco Mundial divulgou na última segunda-feira (dia 13) um relatório estarrecedor: até 2050, as mudanças climáticas devem obrigar 216 milhões de pessoas, quase 3% da população mundial, a deixarem seus torrões natais. Na América Latina poderão ser 17 milhões a fugir da falta de água – e à consequente escassez de alimento –, da subida do nível do mar, dos eventos extremos e do sol inclemente. Só no Brasil, 358 mil foram obrigados a migrar no ano passado, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, na sigla em inglês). Deixaremos o nosso Cariri no último pau-de-arara?
A Natureza nos dotou de um cérebro mais desenvolvido e polegar opositor para que resolvêssemos nossos próprios problemas – embora os tenhamos usado mais para criá-los. E aí? Passaremos a usar trajes refratários e/ou refrigerados? Vamos virar garrafas térmicas ambulantes que se alimentam de brisa? Faremos implantes de orelhas de burro e narizes de tamanduá? Essas soluções lhes parecem racionais?
Segundo o que já foi divulgado no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), marcada para o início de novembro em Glasgow, na Escócia, pode ser a última chance de ajudarmos a nós mesmos. Vamos cobrar dos líderes mundiais atitudes efetivas. Que usem o dedo indicador para dizer não aos interesses meramente econômicos e a cabeça para salvar o quer mais importa e o que faz da Terra um lugar tão especial: vidas – humanas ou não.
*A imagem mostra a performance Mobile Personal Climatification Unit 200, de 2015.
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