Na primeira metade do século XVI, o conquistador espanhol Francisco de Orellana equiparou a valentia das mulheres indígenas que encontrou no Novo Mundo à das amazonas da Grécia Antiga. Daí veio o nome do rio que descobriu e da própria região. A história da Amazônia, portanto, é de resistência. E resistir é mais do que preciso. Povos originários e meio ambiente continuam sob ataque. Mal assumiu o cargo, o presidente gerou polêmica ao dizer que “15% do território nacional é demarcado como terras indígenas e quilombolas e que menos de um milhão de pessoas vive nestes lugares isolados do Brasil de verdade”… A afirmação equivocada mereceu uma resposta à altura dos povos Aruak Baniwa e Apurinã.
Em carta dirigida ao novo presidente, corrigem-no: “são 13%, sendo que a maior parte (90%) fica na Amazônia Legal. Esse percentual é o que restou como direito sobre a terra que era 100% indígena antes de 1500 e que nos foi retirado. Não somos nós que temos grande parte do território brasileiro, mas os grandes latifundiários, ruralistas, agronegócios, etc. que possuem mais de 60% do território nacional”. A carta salienta que os indígenas, há pelo menos 17 mil anos nessa vasta área, protegem as fronteiras brasileiras na região. A Amazônia Legal é composta pelos estados da região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) mais o Mato Grosso e parte do Maranhão.
Fernando Michelotti, professor adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, desmonta de vez o argumento de que há muita terra para pouco índio. Dados do Censo Agropecuário 2017 do IBGE sistematizados por ele tiram a discussão da superfície e mostram que, no conjunto do Brasil, os maiores estabelecimentos rurais (1 %) ocupam 47,5% das terras, enquanto os 90,6% menores englobam somente 20,5% das terras. Ou seja, cuidado com a pegadinha na fala do governo: o que ela esconde é que os direitos indígenas são vistos como empecilhos a um modelo de desenvolvimento todo centrado na exportação de produtos agrícolas.
Então fica o questionamento: o agronegócio vai continuar a definir o destino da floresta e de seus habitantes? Em nome de que vamos fechar os olhos e permitir a continuação – e até expansão – de um modelo que é um entrave às atividades econômicas sustentáveis e à preservação do meio ambiente? Não é uma baita inversão de valores?
Tanta distorção fica totalmente à vista quando se veem os dados da Região Amazônica. De um total de 891,92 mil estabelecimentos rurais espraiados numa área de 133,22 milhões de hectares, os menores que 100 hectares correspondem a 735,56 mil (82,5% do total de estabelecimentos) e ocupam 16,79 milhões de hectares (12,6% da área total). Enquanto isso, os estabelecimentos rurais com 1.000 hectares ou mais correspondem a 21,04 mil (2,4 % do total) e ocupam 81,79 milhões de hectares (61,4%).
Com isso, na Amazônia, os 2,4% maiores estabelecimentos agropecuários ocupam 61,4%das terras, enquanto os 82,5% menores estabelecimentos ocupam apenas 12,6%. O que mais preocupa é que esses grandes latifúndios só geram trabalho para 7,8% da mão de obra na agropecuária. “Esse é o retrato da concentração fundiária na região, não diferente do Brasil, em que muita terra é dominada privadamente por poucas pessoas, com muito baixa geração de postos de trabalho”, diz Michelotti. Segundo o Censo Agropecuário, o campo perdeu 1,5 milhão de empregos desde 2006. É a velha conversa para boi dormir.
Outro estudo que faz cair por terra o discurso do governo é o boletim mensal do Imazon (SAD). Ele demonstra como a destruição da floresta é bem maior em terras particulares do que em áreas indígenas. De agosto a novembro de 2018, a Amazônia viu desaparecer 287 km² de florestas, um aumento de 406% em relação ao mesmo período de 2017. No ano passado, 53% do desmatamento aconteceu em áreas privadas ou sob diversos estágios de posse. O restante foi em assentamentos (37%), terras indígenas (5%) e unidades de conservação (4%). Por esses dados, vê-se que é cada vez mais indispensável a presença dos povos indígenas em suas terras. Trata-se não da preservação deles em si… Mas da de todos nós.
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