O mar é o maior leva-e-traz. A ONU decretou que 2021 daria início à Década da Ciência Oceânica, e ele mandou logo o seu recado: no quarto dia do ano, a Praia de São Conrado, no Rio de Janeiro, foi tomada por um tsunami de plástico. As imagens ganharam o mundo e denunciaram que, mesmo que tenhamos problemas muito sérios para nos preocupar no momento – o coronavírus e as mudanças climáticas –, não podemos nos descuidar de outros tão graves quanto. Oito toneladas de plástico vão parar no oceano anualmente – o equivalente a um caminhão de lixo por minuto. Os mares absorvem 1/3 do CO₂ gerado pela atividade humana, produzem mais de 55% do oxigênio que respiramos, ajudam a equilibrar o clima e dão sustento a mais de 3 bilhões de pessoas. A vida nasceu no mar e sem mar, não há vida. E nós o estamos sufocando – e não só a ele.
Em março passado, uma baleia foi encontrada morta na costa da Escócia com 100 kg de plástico no estômago. Mas animais marinhos que morrem ao ingerir ou asfixiados pelo material são só a parte visível dessa tragédia. Uma baleia absorve a mesma quantidade de carbono que 35 mil árvores, mas somente sob o microscópio se tem a verdadeira dimensão dela. Quem faz a maior parte do trabalho são os chamados fitoplânctons, flora marinha invisível a olho nu, via fotossíntese; já microplásticos são fragmentos minúsculos produzidos na fabricação e durante a decomposição de resíduos. E, segundo um relatório da ONG Center of International Environmental Law, essas partículas podem ter entrado na cadeia alimentar desse ecossistema microscópico e vital, com consequências ainda imprevisíveis. Enquanto isso, uma pesquisa do Boston Consulting Group, da WWF e da Fundação Ellen MacArthur alerta que o volume de plástico que chega ao oceano deve triplicar nos próximos 20 anos.
O mar deu o alerta, mas o problema não é só dele. A produção mundial tem crescido – em 2020 houve um aumento excepcional, causado pela necessidade de se produzir equipamento de proteção contra a Covid-19, mas a curva já era ascendente – e apenas 9% do que sai das fábricas por ano é reciclado. Se você acordou com gosto de cabo de guarda-chuva na boca depois das festas de fim de ano, é possível que não tenha exagerado na dose: podia ter plástico na sua cerveja. Micropartículas do material já entraram para o nosso cardápio, ainda que a contragosto. Ingerimos – ou inalamos – até 120 mil fragmentos por ano. Um estudo da Universidade de Victoria, no Canadá, concluiu que, entre as substâncias analisadas, a água engarrafada, a cerveja e o ar que respiramos eram as mais contaminadas. Pesquisadores encontraram microplástico no Everest, a mais de 8 mil metros de altura. Respirar é aspirar plástico.
Até quem ainda não nasceu está sendo afetado – e não estamos nos referindo às gerações futuras. Cientistas italianos identificaram a presença de microplásticos na placenta de mulheres grávidas. Eles temem que isso possa afetar a formação do bebê. “Uma vez que o papel da placenta é crucial no desenvolvimento do feto, a presença de materiais potencialmente nocivos é um motivo de grande preocupação”, diz o relatório. As partículas encontradas podem ter vindo de cosméticos ou produtos de higiene usados pelas mulheres ou de embalagens que manusearam. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os microplásticos podem conter elementos químicos tóxicos, reter e acumular micro-organismos que causam doenças. O útero materno é o nosso oceano particular.
A parte que nos cabe: o Brasil é o maior fabricante de plástico na América Latina, com 6,67 milhões de toneladas por ano. A fatia desse montante não é reutilizada e nem recolhida, e quase 5% vai parar no Atlântico – o que dá 325 mil toneladas. Os dados são da ONG Oceana Brasil. A legislação no país é frouxa. “Fica conveniente transferir essa responsabilidade de tratamento e descarte só para o consumidor e os municípios, ignorando o fato daquilo que é colocado por toda a indústria no mercado. É preciso se voltar, também, para o início do problema, com o objetivo de reduzir a quantidade de plástico descartável produzida na fonte”, diz Lara Iwanicki, cientista da organização. não se trata de punir a indústria, mas de procurar soluções criativas. “Incentivar a criação de outras alternativas de embalagens, por exemplo, tem o poder de impulsionar inovação, criar novos mercados para soluções criativas. Tem uma economia nova atrás disso”, lembra Lara.
Nossas escolhas definem o nosso futuro.
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